Brasil: siguen los cuestionamientos en torno a la reforma de Temer que beneficia el trabajo esclavo

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Trabalho escravo: o Brasil na contramão da OCDE

Além das polêmicas que lhe são imputadas, o governo de Michel Temer é especialmente competente em criar suas próprias. Entre agosto e setembro, o governo revogou uma reserva mineral na Amazônia (a Renca) e depois voltou atrás após forte pressão popular.

Agora, como parte do toma lá dá cá para se livrar da segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República, o governo publicou na segunda-feira uma portaria sob medida para a bancada ruralista. Ela altera a definição de trabalho escravo no país.

Com ela, fica mais difícil enquadrar empresas na “lista suja” (a lista de companhias condenadas por utilizarem trabalho escravo), e a fiscalização será menos rígida. Segundo o Ministério do Trabalho, a medida aprimora e dá mais segurança jurídica à atuação do Estado Brasileiro.

Para o ministério, a antiga definição limitava e abria margem para a subjetividade do fiscal. Agora, a portaria elimina, por exemplo, a possibilidade de o fiscal autuar uma empresa ao flagrar trabalhadores expostos a condições degradantes ou jornadas exaustivas caso não fique configurada restrição a sua liberdade de ir e vir.

Pouca gente fora da bancada ruralista aplaudiu a medida. E um tema dos mais relevantes para um país que foi por séculos o maior destino de escravos do planeta veio à tona de uma forma totalmente atravessada. Ainda hoje, 130 anos depois da abolição, estima-se que 161.000 pessoas sejam escravizadas no Brasil, de acordo com a ONG Walk Free.

Assim como aconteceu com o fim da Renca, a pressão vem aumentando em diversas frentes. Uma das consequências ainda pouco faladas é o risco de a medida afetar a pauta de investimentos do governo, uma das mais importantes para Temer se manter no cargo, e para o país sair de vez do atoleiro econômico.

A nova portaria pode, até, dificultar a entrada do Brasil na OCDE, o clube dos países mais ricos do planeta, uma das principais bandeiras do governo.

Os membros da OCDE precisam trabalhar para identificar, prevenir e mitigar violações de direitos humanos ligados a operações, produtos ou serviços de suas companhias. Um regulamento de 2011 da instituição neste sentido foi assinado pelos 34 países membros e por mais oito países, entre eles o Brasil.

A pressão cresce

Nesta terça-feira, fiscais do Ministério do Trabalho de pelo menos 17 estados decidiram paralisar as atividades após a edição da portaria. Segundo eles, há um desconhecimento sobre qual norma aplicar.

Além disso, eles alegam que não podem continuar com o trabalho devido a uma insegurança jurídico-administrativa, e que a nova norma é insustentável, porque contém falhas técnicas e jurídicas.

Além deles, dois projetos de decreto legislativo foram apresentados para revogar a portaria: um de autoria do deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) e outro do deputado Roberto de Lucena (PV-SP).

O senador Paulo Paim (PT-RS) disse que a Comissão de Direitos Humanos do Senado fará requerimento para que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, explique a portaria e a revogue. O Ministério do Trabalho também solicitou a revogação da portaria.

A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, afirmou que a portaria não pode passar por cima do Código Penal e da Constituição. “O trabalho escravo é destruidor e quem pratica esse tipo de crime não pode ficar impune”, disse.

Já o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, um dos maiores agricultores do país, afirmou não concordar com as críticas.

Segundo ele, as empresas não devem ser penalizadas por “questões ideológicas ou porque o fiscal está de mau humor.” Para Maggi, a mudança pode dar mais clareza e colocar um fim na grande quantidade de reclamações do setor produtivo brasileiro.

Segundo o ministro, os setores da agricultura e pecuária – entre os mais penalizados por utilizar mão de obra escrava – vão poder “trabalhar com mais tranquilidade”.

De volta para o passado

Mas para Felipe Macedo de Holanda, conselheiro do Conselho Federal de Economia (Cofecon), a medida é um retrocesso, sim, inclusive para o projeto de país mais desenvolvido e menos desigual que precisamos alcançar.

Para ele, as regiões que mais sofrem com o trabalho escravo – Norte, Nordeste e Centro-Oeste – são as que mais precisam de investimentos sociais, e que perderiam ainda mais com uma fiscalização mais frouxa.

“Uma medida como essa reforça a questão de um modelo social mais arcaico, do tempo em que éramos uma colônia monocultora com mão-de-obra escrava”, diz.

Arcaica também foi, para Mércia Silva, diretora executiva do Instituto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO), a decisão do ministério.

“Nós queremos ter transparência, dialogar e mostrar maturidade das empresas brasileiras, para que elas não violem as questões humanitárias”, afirma.

“Há um ano o Instituto vem discutindo, junto com a Composição da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), empresas, indústrias e órgãos públicos, maneiras para solucionar a exploração de mão de obra escrava no país. E aí, de repente, o ministro atropela o diálogo”.

Para ela, o Brasil se colocava à frente das questões trabalhistas, em comparação com outros países mais desenvolvidos. Empresas já participavam da discussão e do engajamento quanto ao trabalho escravo.

“Com a mudança, podemos ter mais dificuldade em trazer empresas que estavam mais arredias. Se continuar o processo de ofensa, de constante batalha contra os direitos humanos, pode ser que a gente perca o que conquistou”, diz.

A Secretária Nacional de Cidadania Flávia Piovesan, que é também presidente da Conatrae, afirmou que o órgão não foi consultado sobre a alteração, e que está “perplexa”.

Em entrevista à BBC Brasil, a secretária afirmou que vai lutar pela revogação da medida em caráter de urgência. Para ela, a portaria é ilegal porque contraria a Constituição e o Código Penal Brasileiro.

Desde de 2005, 52.000 trabalhadores brasileiros foram resgatados de condições escravizantes de trabalho, além de milhares de infrações e condenações contra empresas que utilizavam mão-de-obra escrava.

No ano passado, a fundação Walk Free Foundation considerou o Brasil um dos países precursores da luta contra o trabalho escravo, ao criar a “lista suja” que estabelece uma série de restrições a empresas condenadas por trabalho escravo.

Em 2013, por exemplo, o deputado estadual paulista Carlos Bezerra (PSDB) propôs e fez aprovar o projeto de lei 14.946, que prevê que a empresa que foi condenada por utilizar trabalho escravo terá o seu alvará de funcionamento cassado. Medidas como essa já são copiadas por outros estados.

“O Brasil é um país contraditório. No momento que aprova a mudança de conceito de trabalho escravo, os estados aprovam projetos que regulamentam e melhoram as condições de trabalho”, diz Mércia Silva.

Margem para o erro

Na teoria, a mudança vem ao encontro de demandas antigas de setores como mineração e agricultura, que sofrem com uma legislação considerada”exagerada”, como apontou o ministro da Agricultura.

Entre 2003 e 2014, 29% dos trabalhadores resgatados eram do setor pecuário, e 25%, da indústria da cana.

Para o professor de economia da Unb, Roberto Júnior, a legislação brasileira deixa aberta uma margem muito subjetiva sobre o que é certo e o que é errado na atuação das empresas no país.

“As leis acabam punindo empresas que atuam em condições são semelhantes as que outras empresas no mundo fazem, sem serem consideradas exploradoras”, afirma.

Para ele, a subjetividade é negativa para as empresas, que desejam uma legislação mais clara, para saber onde e como vão investir.

“Além disso, as leis colocam restrições em demasia para setores como o pecuário e têxtil”, diz. Segundo ele, muitas empresas deixam de investir no Brasil por conta das leis, e até mesmo empresas brasileiras deixam o país para produzirem em lugares com uma legislação mais “flexível”.

Para Roberto, o grande problema da legislação brasileira é que ela é confusa, e isso espanta os investidores internacionais.

A questão, no fim das contas, é que modelo de legislação trabalhista o Brasil quer adotar para crescer. É verdade que empresas nacionais migraram para países com legislações de trabalho menos rígidas, como China e os países do Sudeste Asiático.

Mas também foram atrás de menores custos trabalhistas, simplificação tributária, melhor infraestrutura. Simplesmente mudar a tipificação de trabalho escravo, numa ação isolada, deve atrapalhar mais do que ajudar na geração de riquezas.

É o que defende Felipe Macedo de Holanda, do Cofecon. Segundo ele, eventuais investidores e empresário até podem ser atraídos pela flexibilização do conceito de trabalho escravo.

Mas esses investimentos, em longo prazo, tendem a trazer ganhos menores do que uma legislação moderna, e rigorosa, com a escravidão e condições degradantes de trabalho.

“O dinheiro ‘barato’ já está chegando ao Brasil, e pode ser que aumente num futuro próximo. Mas ao longo do tempo, o país vai perder os selos sustentáveis, de projetos sociais e ambientais. E então, investimentos maiores, como do Banco Mundial, não chegarão ao país.

Fechar acordos comerciais também pode ficar mais difícil”, diz. O Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, por exemplo, assinaram tratados e compromissos contra a escravidão há mais de dez anos. As duas instituições possuem diversos acordos com o Brasil.

Há também inúmeros fundos de investimento e fundos soberanos com regras rígidas proibindo investimento em negócios poluidores e com práticas permissivas ao trabalho degradante. Um dos mais rigorosos é também um dos maiores interessados em investir no Brasil, o fundo soberano da Noruega.

Se os mais importantes credores do mundo não querem negócios com países que escravizam, o Brasil parece ir na contramão de um projeto atrativo.

Felipe ressalta: “Temos que fazer uma gestão que leve para investimentos em projetos sociais e sustentáveis, que priorizem o desenvolvimento e aprimoramento da mão de obra brasileira, especialmente nas regiões mais afetadas pelo trabalho escravo”.

Exame


Raquel Dodge pede revogação de portaria sobre trabalho escravo

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se reuniu nesta quarta-feira com o ministro da Trabalho, Ronaldo Nogueira, para pedir que ele revogue a portaria que que modificou regras do combate ao trabalho escravo. Dodge entregou um ofíco ao ministro, que oficializa o pedido de revogação da medida, além de uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) para que o governo volte atrás na medida.

No documento, Dodge avalia que a interpretação sobre trabalho escravo não deve se restringir à proteção da liberdade, mas também da dignidade. E é justamente na questão da dignidade que, para a procuradora-geral, a portaria cria um “retrocesso nas garantias básicas”.

Já o parecer do MPF e do MPT diz que a medida «traz conceitos tecnicamente falhos dos elementos caracterizadores do trabalho escravo, sobretudo de condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas, em descompasso com a jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Federal».

Nesta quarta, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado aprovou um convite para que o ministro do Trabalho explique a portaria. Como se trata de um convite, a presença de Nogueira não é obrigatória. Uma audiência pública sobre o tema foi marcada para o dia 8 de novembro.

A portaria determinou que a «lista suja» — de empregadores autuados pelo crime — seja divulgada «por determinação expressa» do ministro do Trabalho ou do eventual titular da pasta, o que antes cabia à área técnica. O documento ainda novos conceitos de práticas ligadas ao trabalho análogo à escravidão. Para que sejam caracterizadas a jornada excessiva ou a condição degradante, por exemplo, agora terá que haver a restrição de liberdade do trabalhador.

As mudanças causaram uma cisão dentro do próprio governo. De um lado, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, expressou apoio à decisão dizendo que ela “vem organizar um pouco a falta de critério nas fiscalizações”. Do outro, a ministra Luislinda Valois, dos Direitos Humanos, admitiu que “vai haver retrocesso”, mas tentou minimizar o embate, enquanto Flávia Piovesan, secretária nacional de Cidadania do ministério, apontou a medida como “inconciliável com o Estado democrático de direito”.

Enquanto isso, artistas como Caetano Veloso, Diogo Nogueira e Nelson Sargento criticaram, em suas redes sociais, a medida. Eles compartilharam uma imagem do movimento 342 Artes, que diz «Temer passou dos limites».

O Globo

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