Flávia Piovesan, exsecretaria de DDHH de Brasil destituida por Temer: «El nuevo decreto de trabajo esclavo crea el vejame internacional»

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Por Vinicius Sassine.

Nova regra de trabalho escravo cria ‘vexame internacional’, diz nova integrante de comissão da OEA

Depois de exercer os cargos de secretária de Direitos Humanos e de secretária nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos do governo do presidente Michel Temer, a procuradora de São Paulo Flávia Piovesan deixou na quarta-feira o governo para integrar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Ela será uma dos sete integrantes da comissão, sediada em Washington (EUA), num mandato de quatro anos que se inicia em 2018. Flávia foi bastante criticada por aceitar integrar o governo Temer num momento em que o presidente extinguia o ministério que cuidava de direitos das mulheres, igualdade racial, juventude e direitos humanos em geral. Depois, Temer recriou o ministério. Flávia não virou ministra, mas secretária de Cidadania, cargo do qual foi exonerada.

Em entrevista ao GLOBO, a ex-secretária, que tem um histórico de atuação na área de defesa dos direitos de minorias, reiterou uma crítica já feita, na reta final de sua estada no governo, à portaria do governo que relaxou as regras de combate ao trabalho escravo. «A legislação brasileira nos coloca num patamar de excelência e a portaria nos faz cair para uma posição de vexame internacional», disse Flávia. Ela também afirmou ter se manifestado dentro do ministério contra o projeto de lei que estabeleceu a Justiça Militar como foro para julgamento de crimes de militares, sancionado por Temer, e contra mudanças na Lei Maria da Penha, na mesa do presidente para sanção ou veto. «Fiz o meu melhor, num período de imensa turbulência na República.» A seguir, os principais trechos da entrevista:

A saída do Ministério dos Direitos Humanos estava prevista para agora, mesmo?

Exato. Assim que ganhei as eleições da OEA (Organização dos Estados Americanos), para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), tive uma audiência com a ministra (Luislinda Dias) e propus a ela minha permanência até 31 de outubro, justamente em razão de várias entregas de projetos. Saio muito aliviada, tranquila. Fiz o meu melhor, num período de imensa turbulência na República. Nunca tive um dia de céu de brigadeiro.

Ainda no cargo, a senhora fez uma crítica à portaria do governo que relaxa as regras para coibir o trabalho escravo. Mantém a crítica?

Eu mantenho as mesmas críticas que fiz. A portaria traz três grandes problemas. O primeiro é a violação do artigo 149 do Código Penal, que traz definição contemporânea sobre trabalho escravo, em relação à Constituição e aos tratados da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Hoje, pela legislação, o trabalho escravo pode ocorrer em quatro hipóteses: o trabalho forçado propriamente dito, por dívidas, jornada exaustiva e condições degradantes. A legislação brasileira nos coloca num patamar de excelência e a portaria nos faz cair para uma posição de vexame internacional. Um segundo ponto é que a Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo) discute critérios de aprimoramento sobre a lista suja, que é um mecanismo aplaudido internacionalmente por prevenir o trabalho escravo. E outro tema que ontem (terça-feira) nós pautamos foi resguardar o trabalho dos auditores fiscais. Eles têm um trabalho extraordinário em prevenção. Está havendo uma fragilização do trabalho dos auditores fiscais. Não estamos falando de qualquer violação. Ninguém duvida que a escravidão é de extrema gravidade. Hoje temos muitos aspectos desafiadores contemporâneos. Por exemplo: há mais trabalho escravo urbano do que rural, em termos de denúncia.

Pretende levar para a OEA esta mudança em relação ao combate ao trabalho escravo, instituída pelo governo Temer?

Os sete integrantes da comissão têm de ter independência e não podem lidar com seus países de origem. Eu não vou poder lidar com casos brasileiros.

Além das críticas feitas, a senhora chegou a fazer algum gesto dentro do governo para tentar barrar essa portaria? A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, defende a revogação, não alterações, como anunciou o governo.

O que eu tenho reiterado é que a Conatrae, colegiado quadripartite, legítimo, com voz dos empregadores, trabalhadores, setor governamental e sociedade civil, é o locus apropriado para tratar desse assunto. É o caso da discussão sobre a lista suja, outro aspecto de retrocesso, porque a portaria acaba passando para o poder unipessoal do ministro (do Trabalho) a decisão, sem qualquer critério sólido. Eu levei à ministra minhas considerações, ela ficou de avaliar. Naquela conjuntura, eu não podia me calar. Tanto que a nota que lancei de imediato foi em nome da Conatrae, assinando pessoalmente a nota.

A ministra manifestou à senhora uma contrariedade com a portaria?

Ela disse que ia apreciar e tudo mais. Mas fiquei muito feliz porque ao menos à imprensa ela corroborou ser contrária à portaria. Estive também com a ministra (do Supremo Tribunal Federal) Rosa Weber (que determinou a suspensão da portaria), em audiência. Entreguei a ela a nossa manifestação, na quarta-feira da semana passada, depois da decisão. Mantive o pedido feito antes.

A defesa é pela revogação da portaria?

Sim. Fiz esse apelo, está escrito e publicado.

A senhora se sentia confortável no governo?

Eu entrei pela causa dos direitos humanos e saio pela causa dos direitos humanos. Vou lutar por ela em outra esfera, na OEA. Recebi muitas críticas na minha decisão (de entrar), mas saio tranquila, com autonomia, independência. Sempre recebi respeito. Eu conheço o presidente da PUC de São Paulo, um outro território, nunca foi um território político, mas como assistente dele, como orientador que ele foi do meu mestrado. Tenho muito respeito por ele, e ele sempre me respeitou. Ele tem uma grande qualidade, e que busquei praticar, que é ouvir muito. Por exemplo, lançamos uma nota contra o projeto, que virou lei, que ampliou a jurisdição militar (Temer sancionou projeto do Congresso que estabelece a Justiça Militar como foro para julgar militares que cometem crimes contra civis). Também fui muito enfática em relação ao veto ao artigo 12-B do projeto de lei que altera a Lei Maria da Penha. No caso do Enem, é fundamental que seja instrumento de educação e direitos humanos, que não premie redações que incitem o ódio racial, religioso. Saio tranquila porque mantive minha integridade, minha coerência.

Chegou a procurar diretamente o presidente para manifestar a contrariedade com mudanças na forma como os militares são julgados e na Lei Maria da Penha?

Como não sou ministra, sou secretária, sempre tive respeito à pessoa que está na liderança da pasta, que é a ministra.

Ela levou formalmente as recomendações ao Palácio do Planalto?

Eu sempre ficava com muita cautela, não poderia desrespeitá-la. Sempre provocava, me pronunciava, dizendo que não dava para nos silenciarmos. Ela dizia que iria fazer a interlocução necessária. Sobre a Lei Maria da Penha, isso está em discussão. O movimento de mulheres está muito preocupado, em razão do artigo 12-B, que transfere do Judiciário para as autoridades policiais a concessão de medidas de proteção às mulheres em situação de violência. Mais uma vez, viola a Constituição. Foi submetido à apreciação do presidente, para sanção ou veto. Nós apelamos para que o veto fosse dado, por não nos parecer adequado. Fere a Constituição transferir uma competência privativa do Judiciário para a polícia. O presidente não decidiu ainda.

O Globo

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