Argentina: as ruas são a única esperança

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Argentina: as ruas são a única esperança

Macri impôs suas leis mas perdeu aliados políticos e parlamentários após a confrontação com os aposentados

Por Aram Aharonian

Os três últimos meses do presente ano foram os mais decisivos nesta Argentina que vê a repetição cenários de 16 anos atrás. Em outubro se produziu o triunfo eleitoral do macrismo e também o retorno da presença viva de Cristina Kirchner, eleita senadora apesar da derrota sofrida por sua coalizão. Porém, os acontecimentos posteriores demonstraram a fragilidade da vitória governista.

Os efeitos do sucedido com a desaparição do submarino ARA San Juan e o silêncio oficial mal começaram a se manifestar. As greves das centrais operárias, as mobilizações de trabalhadores da economia popular, as mortes e assassinatos na Patagônia, as demandas mapuche, a luta popular que nos fez recordar aquele 2001 em que o povo foi às ruas gritar “fora todo mundo”.

E, do outro lado, as forças repressivas com maiores liberdades, a inflação que continua fora de controle, o dólar que se pensava ancorado mas que voltou a soltar as amarras, um déficit fiscal e comercial que cresce, o feroz e insustentável endividamento externo para uma economia que cresce (cresce?) muito lentamente, são alguns dos sinais negativos de um governo que não acerta os rumos e que não sabe até quando poderá viver somente dos discursos de esperança, ainda que o batalhão de meios de comunicação amigos fale continuamente de uma realidade que não se vê nas ruas e muito menos nos bairros populares e de classe média.

As tentativas de coordenar uma oposição dispersa visam construir um futuro sobre este piso, para confrontar um governo sustentado pelo crédito externo, enquanto os banqueiros e as megaempresas multinacionais percebem que isso não lhes convêm.

Esta palpável frustação não foi neutralizada pelas obras públicas que contribuíram ao crescimento do PBI este ano, nem pela recuperação de empregos assalariados no setor privado, e tampouco pode ser ocultada pelo afã justiceiro de promotores e juízes que despertaram de uma letargia que durou anos e agora fazem política através de seus escritórios nos Tribunais, perseguindo ex-governantes e soltando genocidas.

O governo, após seus fracassos internacionais na conferência da Organização Mundial de Comércio (OMC) e do G20, e da falta de acordo sobre o Tratado de Livre Comércio com a União Europeia, navega entre um ajuste severo e outro moderado, uma incerteza que cria problemas internos entre os macristas.

O ataque aos aposentados foi o grande teste da nova etapa do governo de Mauricio Macri, colocada em prática desde dezembro. Até agora, o governo representa uma restauração conservadora que mescla características da velha e da nova direita (assistencialismo e tecnologia da manipulação). O perfil atual supõe um manejo do poder de cima para baixo, com mecanismos autoritários e repressivos, e a decisão – finalmente descartada – de impor o ajuste previdenciário por decreto ilustra essa tendência a governar com o Estado de exceção, onde se reforça a autoridade presidencial para superar sua frágil hegemonia abandonando o publicitado “gradualismo” de 2016.

Macri impôs suas leis mas perdeu aliados políticos e parlamentários após a confrontação com os aposentados. Repetirá a trajetória recente dos projetos regressivos que se chocaram contra a resistência social? Seu objetivo é mostrar que é mais forte que o movimento popular. Com o embrião de sublevação popular que se viu nas últimas semanas e alguns ingredientes de 2001 que ressurgiram nas manifestações, como os temores dos funcionários públicos.

Após uma década de intensa reorganização social e política silenciosa, hoje finalmente reaparece uma militância agrupada em sindicatos, movimentos sociais e partidos, algo que não existia em 2001. Porém, os analistas advertem que o autoritarismo repressivo pode gerar vertiginosas dinâmicas de erosão das crenças institucionalistas por parte da população. Se os fracassos do macrismo se multiplicarem, a queda do apoio político na parte de cima do tecido social será tão intensa quanto a rebeldia na parte de baixo.

O contexto político foi se alterando nas últimas semanas. Em vez de um presidente que ganhava todas, o que se tem agora é a imagem de um governo que atropela os mais humildes. Em todas as áreas se verifica um estado de ebulição. Mas a missão agora é buscar e encontrar os caminhos de confluência com as forças que resistem – kirchneristas e esquerdistas – passando por cima do “progressismo equidistante”, tão social democrata e europeizado, que coloca num mesmo plano a violência estatal e a ira dos manifestantes duramente reprimidos pelas forças policiais.

Macri já não distribui balões amarelos com carinhas sorridentes. Agora, ele coloca todas as suas fichas na desmoralização do crescente movimento popular, para reprimi-lo, inventando até um “inimigo interno” (as comunidades mapuche). A rua é a única que quer e pode mudar o cenário desta triste Argentina.


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