A arte neoliberal de se endividar para financiar a desconstrução do Estado – Por Aram Aharonian

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Os argentinos estão convencidos de que o pior ainda está por vir. Por enquanto, a economia – que está sendo manejada pelos empresários neoliberais – parece cavalgar direta e inexoravelmente no caminho de uma iminente tormenta, com exportações estancadas e importações aceleradas, enquanto as divisas vão se desvanecendo por fuga de capitais e turismo exógeno. Claro está que esses desmandos produzem uma conta, e quem a está pagando são os trabalhadores e os aposentados.

O quadro que encerra a triste realidade dos informes oficiais demonstra que a maior parte dos desbalanceamentos é financiado com emissão de dívida. Transcorridos dois anos de governo de Macri, quase ninguém discute que o nível e o ritmo de endividamento externo não são sustentáveis.

Um grupo de investigadores da Universidade Nacional de Avellaneda (UNAV) fez um resumo da situação a partir das cifras oficiais: as contas fiscais do país ao final de 2017 mostraram um saldo vermelho que equivale a 3,9% do PIB. Quando se incorpora o pagamento dos juros da dívida externa ao resultado primário, o déficit financeiro ascende a 6,1% do produto. Os desembolsos destinados a enfrentar os vencimentos foram o gasto que mais aumentou no ano passado: 71%.

O governo de Macri financiou todo este descontrole ao mesmo tempo em que expandia o déficit fiscal por suas próprias políticas de baixa arrecadação tributária (eliminou taxas e diminuiu impostos sobre o lucro e sobre bens pessoais) e prioridade ao pagamento de juros da dívida, que se incrementa ano após ano.

Quando não seja mais possível pagas os juros da dívida, a solução provável será a de vender ativos públicos, como nos Anos 90. Empresas estatais de petróleo, água, luz, gás, siderurgia, rodovias, ferrovias, portos e até mesmo do sistema previdenciário… todas elas certamente estão na agenda privatizadora da equipe econômica.

Além do mais, não existem modificações na matriz econômica que permitam imaginar uma convergência a uma dinâmica que vise o crescimento econômico sustentável a médio ou longo prazo. Sem contar o déficit comercial recorde e a tendência galopante da fuga de capitais, existe uma diversidade de riscos sistêmicos que reforçam a angústia por um panorama sombrio em matéria externa, segundo os analistas da UNAV.

O governo estimula a entrada de capitais especulativos usando como isca as taxas de juros, que tendem a ser maiores que o crescimento médio dos preços – exceto nos casos das tarifas dos serviços básicos, como água luz e gás, e dos combustíveis, que aumentam muito mais –, e a evolução cambiária. Assim, o encarecimento do crédito às empresas e às pessoas gera uma brutal transferência da produção e do consumo a favor do setor financeiro, o que explica os nababescos lucros dos bancos.

Horcio Rovelli, ex-diretor de Políticas Macroeconômicas do Ministério de Economia, explica que os membros da equipe econômica de Macri são tão medíocres que copiam e colam sem saber: no atual projeto de reforma tributária se nota que há artigos inteiros extraídos de informes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), inclusive usando vocábulos estrangeiros que os argentinos desconhecem.

O mesmo aconteceu com o mega decreto assinado por Macri e seus ministros, com o objetivo de “desburocratizar o Estado”, que habilita – entre muitas outras cosas – o Fundo de Garantia de Sustentabilidade (FGS) a operar no mercado financeiro, permite que a Unidade de Investigação Financeira (UIF) drible os pedidos de investigação por parte de promotores, além de reduzir as chances de que sejam aplicadas multas por infrações ao código trabalhista.

Os fundamentos e a forma foram copiados do Decreto 2284/91, de 31 de outubro de 1991, por iniciativa do então presidente Carlos Menem e seu ministro de Economia Domingo Cavallo, que desregularam completamente o comércio interior e exterior.

Claro, são ideias promovidas pela compulsão de tornar os ricos mais ricos e espoliar a população mais pobre. Por isso a necessidade de uma reforma trabalhista capaz de cercear os direitos adquiridos pelos trabalhadores, medidas que são aplaudidas pelos meios hegemônicos de comunicação, que mascaram a verdade em prol do poder fático.

Se antecipando à negociação salarial com os professores, o governo decidiu impor as diretrizes sobre qual será sua relação com o movimento sindical, limitando a próxima negociação paritária a partir de um decreto que viola o princípio de liberdade sindical e a lei de organizações gremiais. “Novos critérios de relação”, explicaram os economistas do Governo. “Uma aberração jurídica”, responderam os sindicatos.

Quem não consegue sobreviver com seu salário, ou ficou sem trabalho estável, ou que sente que seu filho não terá futuro, ou que seu pai aposentado está cada dia pior… essas pessoas, em algum momento, terão que se encontrar com a realidade. E lá não há pós-verdade que seja capaz de justificar essa situação, nem com todo o terror midiático nacional e internacional tentando dizer o contrário.

As pessoas já estão nas ruas, obrigando os dirigentes sindicais, políticos e sociais a seguirem os seus passos. Rovelli afirma que a fortaleza do governo de Macri é a debilidade do campo nacional e popular. Quiçá falte programa e capacidade de liderança, mas pior que isso é a raiva que os desmandos produzem nas pessoas.

(*) Aram Aharonian é jornalista, analista internacional e comunicólogo uruguaio de vasta experiência. Foi fundador do canal TeleSur, codiretor do Observatório da Comunicação e da Democracia e do Centro Latino-Americano de Análise Estratégico (CLAE)

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