O triste e solitário final do presidente banqueiro e corrupto – Por Mariana Álvarez Orellana

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Mariana Álvarez Orellana*

Finalmente, Pedro Pablo Kuczynski renunciou à Presidência do Peru: anunciou sua saída um dia antes da votação na qual o Congresso iria debates e votar uma segunda moção de destituição contra ele, em meio a acusações de compra de votos de parlamentares em troca de obras e cargos àqueles que votassem a seu favor.

Mas a forma como ele se retira do Palácio Pizarro não muda o fato de que o mandato continua nas mãos do Congresso, e as bancadas da esquerda (Frente Ampla e Novo Peru) começam a vislumbrar a possibilidade de continuar com o processo destituição, apesar da renúncia.

Logo após um vídeo acusatório difundido pelo fujimorismo, setores da oposição e do governismo pediram a que não insistisse em se defender. Seu mandato durou um ano, sete meses e 21 dias. O atual primeiro vice-presidente da República exercia o cargo de embaixador no Canadá (onde dizia estar bem acomodado), e agora terá que voltar para vestir a faixa presidencial. Mas será que se aguenta no cargo até 2021?

Congressistas do partido fujimorista Força Popular apresentaram nesta terça-feira (20/3) os chamados keikovídeos (em referência à líder da legenda e ex-candidata presidencial Keiko Fujimori). Segundo o legislador Moisés Mamani, as imagens constituem “provas” que “evidenciam a compra de congressistas para a manutenção do poder do presidente”. Os vídeos mostram reuniões ocorridas em dezembro do ano passado, quando se discutia o processo anterior contra Kuczynski. Em parte dos vídeos difundidos, aparece Kenji Fujimori, irmão de Keiko, que lidera um bloco conformado por outros onze legisladores, e supostamente era parte da proposta.

A jornalista Rosa María Palacios, uma das primeiras a exibir os vídeos na imprensa peruana, afirma que “eles mostram um ato flagrante, no qual oferecem a um congressista (Mamani) uma variedade de bens aos quais ele não teria acesso lícito”, indicando que os congressistas que protagonizam as gravações (Bienvenido Ramírez, Guillermo Bocángel e Kenji Fujimori) estão cometendo delito de tráfico de influências, o qual prevê sanção de 4 a 8 anos de prisão.

“Os congressistas não podem ter obras dirigidas especificamente a eles, nem podem receber comissão de 5% dessas obras, tampouco devem manejar propina quando controlam a Mesa Diretora (do Congresso) ou se envolver com interesses privados. Os congressistas que aparecem no vídeo estão fazendo isso. Portanto, estão praticando tráfico de influência”, insiste a apresentadora do programa de televisão Sin Guión (“Sem Roteiro”).

O fato é que há muitas dúvidas sobre o futuro político do Peru, e por isso muitos setores advertem que qualquer coisa fora da Constituição será uma manobra golpista.

Durante sua mensagem de quarta-feira (21/3), Kuczynski criticou a “atitude obstrutiva” da maioria opositora do Congresso, lembrando dos casos em que censuraram ministros e também dos dois processos de destituição que enfrentou nos últimos meses. Ademais, reclamou do vazamento de informes da UIF (Unidade de Inteligência Financeira, entidade que atua contra delitos econômicos, como sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, entre outros, e que recentemente mantém investigações a respeito do renunciado presidente) contra si e dos vídeos sobre a suposta compra de congressistas, que “geraram uma grave distorção do processo político e da discussão sobre o processo de destituição”, segundo ele.

“Não quero ser um entrave para que nossa nação encontre o caminho da unidade e da harmonia que tanto necessita, e que negaram a mim”, anunciou o agora ex-presidente, assegurando que “haverá uma transição constitucionalmente ordenada”.

Kuczynski chegou à Presidência em sua segunda candidatura como líder da jovem legenda Peruanos Por el Kambio (“Peruanos Pela Mudança”, cuja sigla original tinha as mesmas iniciais do seu nome: PPK), após vencer o segundo turno do pleito de 2016 contra Keiko Fujimori – a mesma que ele apoiou no segundo turno de 2011 contra o então eleito Ollanta Humala. Apesar de derrotado naquela disputa presidencial, o partido fujimorista Força Popular ficou com a maior bancada no Congresso: 73 legisladores, de 130 possíveis, contra 18 do governismo e 20 da esquerda, além de outros dois grupos históricos (APRA e Ação Popular) que juntos reúnem cinco membros.

Com Mercedes Aráoz (segunda vice-presidenta) como presidenta do Conselho de Ministros, as disputas da Força Popular com o Ministério foram reduzidas, mas o governo começou a ter problemas quando foi divulgado o caso Odebrecht. Em dezembro, a empresa revelou, através da Operação Lava Jato, que acontece no Brasil, o pagamento de 782 mil dólares a uma empresa de Kuczynski, entre 2004 e 2007, época na qual ele foi ministro.

Isso o levou ao primeiro processo de destituição, do qual se salvou justamente graças ao apoio de Kenji Fujimori e seus nove congressistas. Três dias depois, Kuczynski indultou o seu pai, o ditador-genocida Alberto Fujimori, que estava preso desde 2007.

De acordo com o artigo 113 da Constituição, se um chefe de Estado renúncia ou é destituído, quem assume a Presidência é o primeiro vice-presidente da República: se trata de Martín Vizcarra de 55 anos, que iniciou sua carreira política em 2010, alcançando o ponto máximo em 2012, quando fechou a negociação com a mineradora Anglo American para acabar com um conflito mineiro na região de Quellaveco.

Escolhido para ser parte do governo em julho de 2016, assumiu o Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC). Porém, no final de maio de 2017, teve que sair do gabinete, pressionado pela mesma oposição que vem evocando seu nome nas últimas semanas como uma espécie de salvador da pátria.

Naquele então, enquanto tentava reativar o projeto do aeroporto de Chinchero, decidiu que o Estado deveria injetar recursos para ajudar o consórcio Kuntur Wasi, responsável pela obra, o que causou uma reação furiosa da oposição, a qual gerou estragos que terminaram levando à sua saída do ministério e sua fuga para o Canadá.

Agora, o Congresso deve decidir se aceita a renúncia ou aplica a moção de destituição. Se quem assume é Vizcarra, ou se será Mercedes Aráoz. Ou se, possivelmente, haverá eleições antecipadas.

(*) Mariana Álvarez Orellana é antropóloga, docente e investigadora peruana, analista associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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