Com o fim da Unasul, a América do Sul se torna uma zona de guerra? – Por Aram Aharonian

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Por Aram Aharonian*

Na Colômbia se respira uma atmosfera de ansiedade e instabilidade social após o assassinato de 330 líderes sociais, ameaça permanente aos jornalistas e o temor a que Iván Duque, o novo mandatário, se aventure em duas guerras: uma interna e outra contra a vizinha Venezuela.

“A única forma de tentar unir a nação é inventando um inimigo externo, para apelar ao nacionalismo, uma guerra contra os “castrocomunistas” venezuelanos, desviando a atenção da continuidade do genocídio interno e a crise social, econômica e financeira”, analisa o cientista político Camilo Rengifo Marín.

Durante quatro períodos presidenciais (dois de Álvaro Uribe e outros dois de Juan Manuel Santos, que também foi ministro da Defesa do seu antecessor), em época de “falsos positivos” (camponeses assassinados e vestidos com roupas de guerrilheiros para mostrar à imprensa supostas vitórias militares), a hipótese do conflito sempre esteve no ar, em guerras de microfones, e a melhor chance para isso é a intromissão direta em assuntos internos do vizinho do noroeste.

O manipulado noticiário político indica que Santos quis se despedir do governo apoiando a tentativa (frustrada) de magnicídio do presidente venezuelano Nicolás Maduro, no dia 4 de agosto passado. Mas essa última jogada do benemérito vencedor do Prêmio Nobel da Paz (2016), não saiu bem.

James Mattis, secretário de Defesa dos Estados Unidos visitou alguns países neste mês de agosto: Brasil, Chile, Colômbia e Argentina, com uma agenda que insistia no tema da instabilidade política e a suposta crise humanitária da Venezuela, que poderia afetar o cenário regional, junto com o temor por um conflito armado entre a Colômbia e a Venezuela após o fracassado atentado com drones explosivos contra Nicolás Maduro.

A turnê de Mattis visou reforçar os vínculos de Washington com o que considera o seu quintal continental, e o comunicado do Pentágono a respeito indica isso, apesar de que o país do norte não ofereceu ainda uma agenda positiva de cooperação. As alianças pan-americanas tem sido o ponto focal das visitas estadunidenses neste ano: o ex-secretário de Estado Rex Tillerson, seu sucessor Mike Pompeo e o vice-presidente Mike Pence fizeram o mesmo em suas passagens pela região, meses atrás.

O ministro da Defesa brasileiro, Joaquim Silva e Luna, disse que entendeu bem o que Mattis quis dizer: “há uma disputa comercial em todo o mundo, uma grande reorganização em todo o mundo, na Ásia, na União Europeia, é uma disputa de mercado” e acredita que é possível que o Brasil se beneficie de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China.

Segundo Mattis, seu país apoia “decisões soberanas de Estados soberanos”, mas advertiu sobre as “contravenções de outros países”. O script parece ser o mesmo já usado em outras regiões, e buscará transformar a América Latina em um campo de jogo geopolítico estadunidense.

Outra preocupação do Pentágono é a reunião do G20 na Argentina, com um anfitrião que tem responsabilidades em defesa e segurança com os líderes do mundo “desenvolvido” de forma a permitir a presença de Donald Trump: como realizar um evento desse tamanho de forma discreta, sem deixar que as paixões nacionais se façam presentes? A proposta de Mattis foi a possível cessão de equipamentos e tropas para área específica, prevenção contra ciberataques e utilização de rastreadores de drones.

Nos países visitados, Mattis criticou a influência da presença dos rivais China e Rússia nos países da América do Sul. Afirmou que: “há mais de uma forma de se perder a soberania neste mundo. Não é só pelas baionetas. Pode se perder a soberania com países que chegam oferecendo presentes, grandes empréstimos de se transformam em dívidas massivas que depois não poderão ser pagas, como os entregues pela China a Venezuela e Filipinas”.

A visita de Mattis à região se produz após o encontro do principal comandante da Marinha estadunidense com seus colegas de Argentina, Brasil e Chile, em Cartagena, na Colômbia, durante a 28ª Conferência Naval Interamericana, que congregou os hierarcas navais dos quatro países mencionados, além do anfitrião, e também Canadá, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.

Segundo o analista mexicano-uruguaio Carlos Fazio, a fachada para impor um bloqueio marítimo à Venezuela poderia ser o eufemisticamente chamado exercício naval multinacional Unitas Lix, do qual a Colômbia será anfitriã em setembro.

O atentado contra Maduro buscava transferir o poder sem demora às “autoridades civis legítimas da Assembleia Nacional”, presidida pelo opositor Julio Borges, após “liberar” uma zona do país e instalar ali um governo paralelo” que exerça funções determinadas por Washington, seus sócios da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte, que agora conta com a participação da Colômbia) e do Grupo de Lima.

Hoje, a produção de coca na Colômbia alcança níveis recorde, grupos armados ilegais lutam por territórios nos quais o Estado tem escassa ou nula presença e a onda de assassinatos de líderes e ativistas sociais nos últimos meses mostrar que a paz continua sendo um termino relativo.

Iván Duque, o novo presidente, quer reformular o acordo de paz com a guerrilha das FARC, que seu antecessor Juan Manuel Santos se absteve de implementar. Se não consegue levar o Estado às zonas rurais, hoje dominadas pelos narcotraficantes e paramilitares – ou no está interessado nisso – pouca coisa mudará nos país que registrou ao menos 260 mil mortes, 60 mil desaparições e mais 7 milhões de deslocados em toda a história do conflito.

Fim da zona de paz?

A coordenação conservadora entre vários presidentes sul-americanos foi capaz de desmontar os mais importantes avanços da integração entre os países de América do Sul, plasmada na conformação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) como bloco referencial das relações, reforçando a multipolaridade dos projetos integracionistas regionais e a declaração da região como zona de paz.

A potência econômica e política dos governos da Argentina e do Brasil, respaldados pelos presidentes do Peru, Chile, Colômbia e Paraguai (o denominado Grupo de Lima), começou sua tarefa destrutiva no último mês de abril, quando todos esses países determinaram “suspender sua participação” no organismo

O momento adequado para fazer esse movimento foi a assunção da Bolívia à presidência pro tempore da Unasul, após dois anos de sigilosos movimentos de fragilização e paralisia de todos os projetos integracionistas construídos à margem da influência e predomínio dos Estados Unidos: além da Unasul, o Mercosul (Mercado Comum do Sul), a ALBA (Alternativa Bolivariana para os Povos da América) e a CELAC (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos).

Desmantelados os organismos de integração horizontal, regressa o poder do pan-americanismo idealizado pela Doutrina Monroe: a América para os (norte)americanos, administrado pela OEA (Organização dos Estados Americanos), sob a tutela de Washington. Contudo, mesmo esse organismo não é capaz de alcançar consensos, pois ao menos Nicarágua, Venezuela e Bolívia se opõem à intervenção em assuntos internos de outros países. E por isso os Estados Unidos tenta desestabilizar os governos com todos os meios possíveis,

A Unasul foi criada em 2008 e gerou dentro de si o Conselho de Defesa Sul-Americano, integrado por 12 países. Entre os seus propósitos principais estava o de consolidar a região como zona de paz e servir de contrapeso aos anseios intervencionistas do Pentágono nos exércitos locais, com fins de alinhamento e doutrinação.

Mas a contraofensiva conservadora e a ação do Comando Sul do Pentágono seguiram adiante. Em maio passado, Juan Manuel Santos anunciou que a Colômbia – que tem sete bases militares estadunidenses em seu território – havia sido aceita como “sócio global” da OTAN, máximo expoente das intervenções militares, abertas e encobertas, depois da Guerra Fria. Agora, o Chile quer seguir o mesmo caminho.

Com a ajuda de Kevin Whitaker, embaixador estadunidense em Bogotá, o novo presidente colombiano, Iván Duque (apadrinhado por Álvaro Uribe, o ex-mandatário ligado ao narcotráfico e ao paramilitarismo), quer dar o que ele considera ser um golpe de mestre: um plano desenhado pelo almirante Kurt Tidd, chefe do Comando Sul, que espero derrubar o governo bolivariano através de uma “operação militar sob a bandeira internacional, patrocinada pela Conferência dos Exércitos Latino-Americanos, sob a proteção da OEA e a supervisão, no contexto legal e midiático do secretário-geral desse organismo, o diplomata uruguaio, Luis Almagro”.

Segundo o que se sabe no Congresso estadunidense, Duque tem uma estratégia para negociar com os Estados Unidos uma dispensa para a Colômbia das taxas de importação de aço e alumínio: usar como moeda de troca a colaboração na guerra encoberta do Pentágono contra a Venezuela, através da fronteira colombiana.

No começo de julho, antes de assumir a Presidência, Duque foi a Washington negociar com o vice-presidente Mike Pence, o secretário de Estado, Mike Pompeo, a diretora da Agência Central de Inteligência (CIA, por sua sigla em inglês), Gina Haspel, e o assessor de Segurança Nacional, o superfalcão John Bolton.

Um Pence “preocupado” pela suposta ameaça à Colômbia por parte da “ditadura” de Maduro – como já havia manifestado a Santos em sua passagem pela reunião da Cúpula da OEA, em Lima – solicitou o apoio do presidente Trump em matéria militar e de inteligência.

Em 10 de agosto, três dias após assumir a Presidência, Duque anunciou a saída “irreversível” da Colômbia da Unasul e advogou pela aplicação da Carta Democrática da OEA contra a Venezuela, prometendo que levaria Maduro à Corte Penal Internacional – mesma instância onde Uribe está acusado por crimes de lesa humanidade, assim como os mexicanos Felipe Calderón e Enrique Peña Nieto.

Um dia antes, na sede da chancelaria colombiana em Bogotá, o novo ministro de Relações Exteriores, Carlos Holmes Trujillo, se reuniu com Julio Borges, apontado como um dos coautores intelectuais do frustrado magnicídio do presidente venezuelano Nicolás Maduro, para expressar o “apoio incondicional” do governo de Duque para “resgatar a democracia e a legalidade na Venezuela”.

Gustavo Álvarez Gardeazábal, ao criticar as declarações de Duque em Washington – quando esse afirmou que lideraria um bloco latino-americano contra Maduro – advertiu sobre o fato de que um presidente assim não está de acordo com a ideologia de uma nação, e não pode começar a fazer declarações contra o princípio do respeito soberano mútuo. E afirmou que se chegar a acontecer efetivamente uma guerra contra o vizinho, o mais provável para ele é que a Colômbia seja derrotada, “pois a Venezuela está melhor armada que nós”.

A jornalista María Jimena Duzán, em sua última coluna antes de ser ameaçada, recordava as declarações do general da reserva Leonardo Barrero (“preparem-se, porque voltaremos à guerra”) e se perguntava qual será o alvo principal deste novo conflito anunciado: os líderes sociais que já estão morrendo como moscas, os oito milhões de cidadãos que votaram por Petro, as dez milhões de pessoas que votaram por Duque e que ainda acreditam nos “passarinhos no céu” (figura usada pela campanha eleitoral de Duque para mostrá-lo como uma figura menos belicista)?

Paralelamente, desde junho há um contingente de “capacetes brancos) da chancelaria argentina atuando em regiões fronteiriças com a Venezuela, como Cúcuta e Maicao. Gabriel Fucks, ex-líder desses “contingentes de paz”, afirmou que a missão na fronteira colombiano-venezuelana, mais que uma ação de assistência sanitária, forma parte de uma política de pressão contra a Venezuela.

Não é de se estranhar que o governo de Mauricio Macri queira participar dos planos estadunidense-colombianos, tendo em vista sua posição subordinada na OEA. Macri também distribuiu pelo território argentino uma nova rede de bases militares estadunidenses: uma em Neuquén, no estratégico sul patagônico, perto da reserva de gás de Vaca Muerta, financiada pelo Comando Sul e por grupos de “ajuda humanitária” e duas na Terra do Fogo, a de Tolhuin e a de Ushuaia.

Uma vasta fronteira em chamas

A maior parte dos problemas ocorridos historicamente – e que continuam ocorrendo na extensa fronteira comum de mais de 2,2 mil quilômetros entre Venezuela e Colômbia, é gerada pela atitude do establishment colombiano, que em alguns casos parece buscar a instalação de conflitos bélicos, às vezes alegando supostas reivindicações territoriais.

Essas tensões servem para desviar a atenção da violência de seis décadas na Colômbia, que já é parte da normalidade nesse país, e que contrasta com a existência de sistemas sociais, econômicos e políticos contrapostos. A mensagem da política colombiana e dos meios de comunicação hegemônicos não mudou: sua linguagem é agressiva, beligerante, xenófoba e permanentemente ameaçadora.

O jornalista José Vicente Rangel, que já exerceu os cargos de vice-presidente e de chanceler da Venezuela, comenta que a provocação na política sempre configura a base das posturas aventureiras.

A oligarquia e a direita colombianas têm planos políticos e militares contra Venezuela, que não nasceram agora, e que são estimuladas de alguma forma pelo processo bolivariano, contra o qual dizem ter discrepâncias de carácter ideológico. Esses interesses vêm de muito tempo atrás, desde a tentativa de usurpação dos direitos venezuelanos sobre o arquipélago de Los Monjes.

O poder fático colombiano está envolvido com muitas operações contra a Venezuela: disputas comerciais na fronteira, com o contrabando de extração de petróleo, com a atuação de grupos paramilitares, infiltrando unidades no país vizinho através da fronteira, a fim de gerar atos terroristas em território venezuelano, entre outros.

Uribe instrumentalizou uma aliança com a oposição venezuelana golpista, a qual orientou e financiou abertamente, e inclusive se lamentou, numa insólita declaração, por não ter tido tempo, quando foi presidente, de atacar militarmente a Venezuela – o que, por certo, Chávez respondeu que foi por causa de sua falta de colhões.

Santos, representante da aristocracia bogotana, apostou em intrigas dentro dos organismo internacionais e junto aos demais governos da região para conformar uma campanha consistente contra a Assembleia Nacional Constituinte lançada por Maduro, a qual dizia que “acabou com a democracia venezuelana”.

O atentado que quis acelerar tudo

Em 4 de agosto, durante a parada militar pelo aniversário da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), um grupo terrorista atentou contra a vida do presidente venezuelano Nicolás Maduro, com drones DJI M600 de última geração, rendimento de voo melhorado e maior capacidade de carga, e que levavam explosivos tentar, pela via do magnicídio, o que a oposição de ultradireita é foi capaz de conseguir pela via eleitoral.

Direta essa que tampouco obteve sucesso através do golpe de Estado de 2002, contra o presidente Hugo Chávez. E tampouco com a sabotagem petroleiro (2002-2003), ou com a desestabilização social e as barricadas entre 2014 e 2017, impulsadas pelos setores mais radicais e pró estadunidenses da oposição venezuelana, com o apoio e financiamento de Washington, Madrid e Bogotá, o estímulo da hierarquia conservadora da Igreja Católica local e os meios hegemônicos cartelizados, dentro e fora do país.

Não se conseguiu nem mesmo com as sanções e a guerra econômica, ou a guerra de quarta geração, com campanhas de intoxicação midiática, sabotagens e atos violentos apoiados pela OEA e pelos governos do Grupo de Lima.

Segundo os especialistas, um dos drones usava como explosivo materiais como pólvora e pentaeritrina, e outro trazia pólvora e C-4 – explosivo plástico de uso militar utilizado nas operações de bandeira falsa da OTAN, e também por agentes da CIA para derrubar a aeronave da empresa Cubana de Aviação, no atentado terrorista em Barbados, em 1976, no qual morreram 73 pessoas, além do assassinato político do ex-chanceler de Salvador Allende, Orlando Letelier, em Washington, também em 1976.

Obviamente, o Comando Sul estadunidense não freou seus planos por causa do fracasso do atentado com drones – que deveria provocar, segundo o plano um assassinato em massa de líderes civis e militares, o caos social e uma guerra civil. As operações continuam buscando semear a divisão dentro das Forças Armadas bolivarianas, para promover algum levantamento das guarnições como o que tentaram fazer no ano passado, no Forte Paramacay.

Os magnicidas frustrados confessaram que receberam treinamento em um sítio no norte da Colômbia, onde aprenderam a manejar os drones, em troca de 50 milhões de dólares e a garantia de residência nos Estados Unidos (não em Guantánamo).

Após o atentado terrorista, a maioria dos presidentes (conheciam o plano?), mantiveram silêncio, minimizaram o incidente, relativizaram o ataque ou silenciaram a tentativa de magnicídio e o ato de terrorismo. Quando não, recuperando as noções obscurantistas de sempre, o qualificaram como uma “montagem”, “auto atentado” ou “manobra”. Na prática, confirmaram que todos participaram do fracasso.

Conclusão

Ficam abertas muitas interrogações: o que aconteceria com os povos se o conflito realmente se tornar concreto? Aceitariam a guerra? Esse é o cenário desejado por todo o grande capital? Que atitude tomariam China e Rússia, por exemplo? O que aconteceria com os Estados Unidos, que terá eleições parlamentares este ano? O grande capital seguirá apoiando Trump ou preferirá sua substituição Pence?

Sem dúvida, será preciso apelar a uma postura mais ativa em favor da paz, criar consciência sobre os perigos que a América Latina toda enfrenta. É a paz ou a destruição. É o futuro da região que está em jogo.

(*) Aram Aharonian é jornalista e comunicólogo uruguaio, fundador do canal TeleSur e presidente da Fundação para a Integração Latino-Americana (FILA)

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