Brasil: el 80% de los muertos por la policía en Río de Janeiro durante el primer semestre de 2019 eran negros

Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
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80% dos mortos por policiais no RJ no 1° semestre de 2019 eram negros e pardos, aponta levantamento

No dia 8 de fevereiro de 2019, uma operação policial na comunidade do Fallet, em Santa Teresa, terminou com 13 mortos. Entre eles, 9 eram negros ou pardos. A proporção se aproxima da média estadual: 80,3% dos 885 mortos (711) em ações da polícia no primeiro semestre de 2019 no estado do Rio de Janeiro eram negros ou pardos.

Os dados são os mais recentes do Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão do governo estadual (veja outros dados do ISP abaixo). Os números contrastam com outro percentual divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 54% da população do estado se declara preta ou parda.

O percentual de negros entre os mortos pela polícia no estado do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2019 é semelhante ao do conjunto do país em 2018, divulgado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Segundo a publicação, naquele ano eles representavam 75,4% das vítimas mortas pela polícia em todo o Brasil.

‘Componente racial’
Gabriel Sampaio, advogado e coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos, considera que não se pode negar o componente racial das mortes.

«Exige um nível de esclarecimento e reflexão sobre a política de segurança pública, que não pode estar baseada na morte. O volume de mortes já demonstra um equívoco na segurança pública. E o componente racial é extremamente grave», avalia.

«Acima de tudo, é um retrato de mortes que revela o quanto o racismo no brasil é estrutural. E o quanto ele é institucional, cuja instituição é prover a segurança dos cidadãos.»

9 mortos em 1 casa no Fallet
Impulsionado pela operação na comunidade do Fallet, 8 de fevereiro foi o dia com mais mortes por intervenção legal no primeiro semestre de 2019: 18, no total. Nove delas foram dentro de uma mesma casa no Fallet.

A mãe de dois dos mortos — que pediu ao G1 para não ser identificada — luta para tentar provar que os filhos não eram criminosos. Segundo a polícia, todos tinham ligação com o tráfico de drogas.

«Hoje eu vivo para justificar a morte dos meus filhos. Será que eles não sabem como é doloroso isso para uma mãe?», questiona.

A Polícia Militar alega ter trocado tiros com traficantes da região. A Polícia Civil diz ter provas de que houve troca de tiros entre as pessoas que estavam dentro da casa e os PMs do Batalhão de Choque, além de testemunhos dos donos do imóvel confirmando que o local estava sendo dominado por traficantes.

Em novembro, a Polícia Civil pediu o arquivamento do inquérito, alegando que os policiais agiram em legítima defesa.

Familiares de vítimas e o Ministério Público do Rio questionam a investigação. O Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do MP determinou a uma perita uma análise complementar do local.

A organização Human Rights Watch alertou para o que parece ser uma «possível destruição de provas pela polícia», além do que chamou de «falsos socorros» às vítimas. Segundo a organização, há sinais de que muitos cadáveres foram removidos e levados para o Hospital Souza Aguiar, no Centro, com o objetivo de desfazer a cena e atrapalhar a investigação.

‘Tiraram a minha vida’
M. morava até 2017 com os filhos no Fallet. Deixou a favela por medo de perder os dois em um eventual confronto. Eles tinham voltado à comunidade para jogar futebol e encontrar amigos.

«Eu sempre conversei muito com meus filhos. Quem anda com porco, farelo come. Cuidado com quem você anda, não anda com esse menino. Polícia quando entra, eles não querem saber se você tem envolvimento ou não. O fato de você estar perto para eles é o suficiente.»

Ela questiona por que não prenderam seus filhos e todos os que estavam na casa.

«Não deram chance a eles de provarem que não tinham nada a ver com aquilo. Tiraram dos meus filhos o direito à vida.»
Meses após a morte dos filhos, M. conta que ouviu de outra mãe que um dos mortos teria tentado salvar seus filhos, se entregando aos policiais.

«Uma mãe falou: ‘O meu filho tentou proteger os seus, o meu filho se entregou pra proteger os seus filhos. Ele iria morrer, mas queria salvar os seus filhos. E ele não conseguiu'».

‘Desencontro’ entre discurso e prática, diz pesquisador
Robson Rodrigues, oficial da PM reformado e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), lembra que os números de mortes por intervenção por agente do estado bateram recorde histórico, enquanto o número de homicídios chegou ao menor patamar desde 1991.

«O direcionamento dessas políticas públicas continua nos mesmos setores, contra os mesmos segmentos, nos mesmos locais onde há essa percepção que o problema esteja localizado ali», avalia Rodrigues.

Robson diz que, por trás dos números, pode haver um desencontro entre discurso e prática das secretarias de polícia Civil e Militar.

«Se houvesse práticas mais eficazes, estaríamos em melhores patamares. Houve um discurso do secretário de Polícia Militar [Rogerio Figueredo] no sentido de reduzir esses números. Houve também um discurso de que haveria mais inteligência no combate ao crime organizado. A gente vê isso pontualmente, mas não como uma política pública», analisa.

Dias e horários com mais mortes
Entre as 885 mortes registradas no primeiro semestre de 2019 — ainda não há no ISP a divulgação de dados com recortes do segundo semestre —, mais da metade foi pela manhã ou na madrugada (52,6%), horários em que costumam ser realizadas as operações policiais no RJ.

Segundo os dados do ISP, 69 mortes aconteceram na sexta-feira pela manhã, dia e horário com mais casos de mortes por intervenção legal:

sextas-feiras: 162 mortes
quintas-feiras: 149 mortes
segundas-feiras: 139 mortes
Negros e pardos representam 711 dos 885 mortos, 80,3% dos casos. Nas estatísticas de homicídios (2.090 mortes no mesmo período), os negros e pardos representam 71%.

Os municípios com mais casos são:

1_Rio de Janeiro (372)
2_São Gonçalo (89)
3_Niterói (70)
4_Belford Roxo (61)
5_Duque de Caxias (56)

No Rio, 36 mortes foram registradas sem informações sobre o bairro onde ocorreu o crime. Entre as outras, a Zona Oeste, área com maior concentração de milícias, lidera as estatísticas:

Bangu (Zona Oeste): 32 mortes
Realengo (Zona Oeste): 17 mortes
Pavuna (Zona Norte): 13.
Catumbi (Centro): 11 mortes – todas no dia da operação no Fallet.
O governador Wilson Witzel, em seu primeiro ano no cargo, anunciou que a polícia iria abater criminosos portando fuzis.

O secretário de Polícia Civil, delegado Marcus Vinicius Braga, disse em agosto que o número de mortes por intervenção de agente do Estado aumentaria até dezembro.

«Conforme a gente for trabalhando as investigações, a inteligência, a integração com a Polícia Militar, a tendência é abaixar. É um número alto, não é o número que a gente deseja», declarou o secretário à época.
Os números parciais do ISP no mês de janeiro de 2020 indicam que, na comparação entre 2019 e 2020, o número de mortes por intervenção de agente do Estado caiu de 159 para 134, uma queda de 15%.

Professor de jiu-jitsu morto em maio

Em 14 de maio, Jean Rodrigo da Silva Aldrovande, de 39 anos, chegava de carro ao trabalho. Segundo a família, era o ofício que dava sentido à sua vida: ser professor de jiu-jitsu. Ele dava aula na Maneco Team, na Rua Carmem Cinira, em Inhaúma, na Zona Norte do Rio.

Naquele dia, ele percebeu a aproximação de policiais da UPP Fazendinha e deitou no chão próximo ao veículo, gritando a um aluno para que fizesse o mesmo.

Do outro lado de um valão, dois homens estavam em uma moto. Um deles portava um fuzil, segundo policiais e testemunhas. Um tiroteio começou por volta das 14h daquele dia. Jean foi baleado na cabeça.

A mãe, Sandra Mara, não se conforma. A morte de Jean causou protestos no Complexo do Alemão.

«Meu filho foi assassinado pela polícia do Estado. Chegando para cumprir com a missão que ele tinha de trazer o esporte para a comunidade, para tirar as crianças da rua. Ele estava chegando naquele dia 14 de maio de 2019 e a polícia, perseguindo um homem que eles viram armado, matou o meu filho», diz.

O aluno que estava com Jean e foi ferido por estilhaços contou em detalhes, em áudio enviado ao grupo de amigos, o que viu. Na mensagem, confirmou a versão dos policiais de que havia traficantes do outro lado de um valão. Ele disse que começou a ouvir muitos tiros logo depois de abaixar para tentar se proteger.

“A gente tava do outro lado pegando as caixas para botar dentro da academia. Vem o moleque com o fuzil de um lado, e do outro vem a viatura dos caras. Quando a gente ficou no meio que ele viu, ele falou: ‘’baixa, abaixa’. Quando a gente deitou no carro, não sei se o policial botou o fuzil embaixo do carro, acertou a gente achando que era bandido. Eu sei que comecei a escutar muito tiro, e vendo batendo tudo embaixo do carro. Apertaram debaixo do carro mesmo onde a gente tava. Aí pegou nele, já pegou de primeira já. Chamei ‘Mestre, mestre’, ele não levantou. Aí fui rastejando até o outro lado da academia, pedindo ajuda. O filho dele saiu, viu. Foi aí que começou”.
Quando prestou depoimento na Divisão de Homicídios, em maio, a mesma testemunha afirmou que toda a dinâmica foi muito rápida, e que não sabia dizer se os policiais tinham ouvido os pedidos de socorro dos moradores, ou mesmo de onde veio o disparo que atingiu a cabeça de Jean.

Na Delegacia de Homicídios da Capital, os policiais da UPP Fazendinha envolvidos na ocorrência disseram que dispararam contra dois homens em uma moto. As balas de fuzil são do mesmo calibre que Diego Aldrovande, irmão de Jean, recolheu e levou para a delegacia.

«Teve uma delegada da DH lá no local, e eu falei que estava com essas cápsulas. Nesse mesmo dia, eu entreguei, eu consegui recolher cinco ou quatro cápsulas», relatou Diego.

«O meu maior desejo é encontrar o assassino do meu irmão. Simplesmente pelo fato de: ‘Eu consegui, irmão’. Simples assim. Ele acabou com uma família. Com uma, não, com diversas», diz o irmão.

Atingido na moto
Fabio dos Santos Vieira, de 21 anos, era motoboy de Petrópolis, na Região Serrana. Ele estava com um amigo na garupa, voltando de Duque de Caxias quando, após uma abordagem da Polícia Militar, foi baleado no dia 13 de junho, na Rodovia Washington Luiz.

Nove dias depois, ele morreu no hospital Moacyr do Carmo, em Duque de Caxias. A PM afirma que, com o menino que estava na garupa, foi encontrada uma réplica de pistola.

A mãe, Elisângela dos Santos, afirmou que o caso foi levado para a 60ª DP (Campos Elíseos), e depois para a 59ª DP (Duque de Caxias). Em seguida, o inquérito foi encaminhado para o Ministério Público, e atualmente corre no Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), do MP.

Elisângela questiona a versão dos PMs, e diz que, além do tiro, viu ferimentos na cabeça e na boca, que ela alega serem de coronhadas.

«Não foi apresentada a tal réplica de pistola que eles estão mencionando, por nenhuma das duas delegacia. Eu já pedi à promotora as câmeras, eu quero as câmeras. E não sei onde foram parar os objetos pessoais dele», conta a mãe.

Ela diz que o filho chegou a ser fichado por tráfico de drogas, mas foi inocentado. Apesar de ter passado por momentos de tristeza após a morte do filho, a mãe afirma que a vontade de buscar justiça é maior que qualquer problema:

«Eu não vou parar. Eles me enterraram junto com meu filho. Estão matando gente do bem. Esse Estado assassino acabou com a minha vida»
O que diz o Estado

A Polícia Civil afirmou que as investigações da morte do Jean Rodrigo Aldrovande continuam na Delegacia de Homicídios da capital.

O inquérito do Fallet, segundo a secretaria, foi encaminhado à Justiça do Rio.

O Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública do Ministério Público confirmou que os três casos relatados na reportagem são investigados pelo grupo.

Em nota, a Polícia Militar afirmou que a atuação dos PMs nos casos de Jean Aldrovande e de Fábio Vieira está sendo investigada em dois inquéritos policiais militares (IPMs) que correm em sigilo.

Sobre as mortes no Fallet, a PM alega que foi chamada para operação na região para conter uma guerra entre facções do tráfico de drogas local.

A PM acrescentou que um inquérito policial militar foi remetido ao Ministério Público, não tendo sido encontrado sinal de “crime ou transgressão” por parte dos policiais envolvidos.

*Colaborou Nicolás Satriano

G1


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