Crise política na Guiana – Por Kjeld Jakobsen

Foto: Roberto Parizotti
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Por Kjeld Jakobsen *

A Guiana é um dos países mais pobres da América do Sul e vizinho de Brasil, Venezuela e Suriname. É uma ex-colônia britânica que conquistou sua independência em 1966 quando foi implantado um regime parlamentarista onde a câmara de deputados elege o presidente do país. Foi integrante da Unasul e faz parte do Caricom. Não se alinha automaticamente com os governos de direita no continente, mesmo enfrentando uma disputa territorial acirrada com a Venezuela em torno do território de Essequibo que formalmente é parte da Guiana, mas que o país vizinho por diversas razões, reivindica como seu.

Durante o período colonial, o poder era exercido desde Londres com apoio de um primeiro-ministro e um parlamento local composto por 25 membros. Em 1953, Cheddi Jagan, um dos fundadores do Partido Progressista Popular (PPP) de esquerda, foi eleito primeiro-ministro. Porém, Winston Churchill suspeitava que ele pudesse ser marxista leninista e aproximar-se da União Soviética e patrocinou uma intervenção militar na Guiana para destituir o parlamento local e impedir sua posse. No entanto, ele voltou a ser eleito em 1961 e governou até 1964, período em que cumpriu um papel fundamental na busca da independência, a ponto de ser considerado o “Pai da Nação”.

Em 1992 foi eleito presidente do país e governou até 1997 quando faleceu. O seu partido, PPP, esteve à frente do governo guianês desde então até 2015 quando perdeu a eleição para a coalizão Parceria pela União Nacional/Aliança pela Mudança (PPUN/APM), à rigor uma frente política que vai da direita à centro esquerda dirigida pelo presidente David Granger. Entretanto, na Guiana o que fundamenta a principal diferença partidária é mais a base étnica dos partidos do que suas diferenças ideológicas. O PPP tem sua base nos indo-guianenses que representam pouco mais de 40% da população, enquanto o PPUN/APM tem sua base nos afrodescendentes e mestiços em porcentagem semelhante. O restante da população é composto por indígenas, brancos e outros.

David Granger apresentou-se à reeleição em março de 2020 e o PPP disputou com o candidato Irfaan Ali, que venceu por pequena margem, confirmado por uma recontagem dos votos, mas que Granger se recusa a reconhecer uma vez que o coordenador do processo eleitoral, que é seu aliado, fez um relatório apontando a existência de fraude, embora sem provas.

Na verdade, o que está em jogo é a recente descoberta de petróleo e gás no litoral da Guiana e um contrato de exploração pela empresa estadunidense Exxon que provocaria um crescimento do PIB este ano de 52%. A disputa é sobre qual partido e qual comunidade se beneficiará da exploração dos combustíveis fósseis ainda mais em um país cuja renda per capita é equivalente a apenas oito mil dólares.

Entidades internacionais como a OEA e o governo estadunidense têm pressionado o presidente Granger a reconhecer o resultado e normalizar a situação que já perdura por quatro meses, inclusive, com o risco de provocar conflitos interétnicos que já ocorreram no passado uma vez que a correlação de forças entre as duas principais comunidades é muito equilibrada. Não que essa seja sua preocupação principal, mas é uma boa justificativa para uma ingerência externa.

* Consultor da Fundação Perseu Abramo. O texto não reflete necessariamente a posição da instituição.

Fundação Perseu Abramo


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