Brasil | 8 de janeiro: um pacto contra o esquecimento – Por Carol Proner

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Los conceptos vertidos en esta sección no reflejan necesariamente la línea editorial de NODAL. Consideramos importante que se conozcan porque contribuyen a tener una visión integral de la región.

Um dia glorioso porque, efetivamente, havia risco e a democracia venceu, mas questões de fundo não podem sucumbir diante da tendencial pressão por esquecimento que prevalece no Brasil.

Por Carol Proner*, especial para NODAL

Qualquer pessoa que defenda regras democráticas e o regime constitucional compreende e valoriza a realização do Ato pela Democracia convocado pelo Presidente da República neste 08 de janeiro. Qualquer democrata compreende a importância de registrar a tentativa de golpe como dia da infâmia, dia em que as ameaças proferidas ao longo da campanha eleitoral pelo próprio candidato derrotado foram concretizadas.

Não há dúvida de que a rememoração ou mesmo a comemoração do 08 de janeiro, dado o sentimento de vitória institucional diante do golpismo, faz-se absolutamente necessária para registrar o ápice da violência fomentada pela extrema direita durante os últimos anos.

Ao mesmo tempo, é preciso celebrar uma das consequências inesperadas dos acontecimentos golpistas: uma surpreendente união de poderes e instituições que, com raras exceções, atuaram já nas primeiras horas da crise para conter o pior e, portanto, uniram-se para defender a democracia e, de certa forma, criar as condições de governabilidade já nos primeiros dias do novo governo eleito.

Um ano após, o “chamado pela democracia” é novamente respeitado, demonstrando inequívoca capacidade de liderança do Presidente Lula e de seu governo. Mesmo interrompendo recessos e férias, estarão presentes cerca de 500 convidados no Salão Negro do Congresso Nacional para relembrar o fatídico dia em discursos proferidos pelos mais destacados representantes do poder civil do Estado, chefes de Poderes, das duas Casas do Congresso Nacional, Governadores e representantes da Sociedade Civil.

Inicialmente titulado “Democracia Restaurada” e rebatizado com o nome “Democracia Inabalada”, em homenagem ao slogan usado pelo STF durante a campanha eleitoral de 2023, o evento será precedido de uma exposição na sede do Supremo Tribunal Federal com a epígrafe: “Após 8 de janeiro: Reconstrução, memória e democracia”, tendo como objetivo a preservação da memória institucional da Corte e a reconstrução e restauração patrimonial.

É, portanto, um dia evidentemente glorioso porque efetivamente havia risco e a democracia venceu, mas sabemos que memória patrimonial está longe de ser suficiente. E mesmo a justiça processual dos inquéritos, as prisões e a responsabilização de quem planejou, financiou e executou os atos do 8 de janeiro não serão suficientes para dar conta da complexidade do que ocorreu. Como em outras datas marcantes de violência contra a democracia, a memória sempre estará em disputa, ou seja, a capacidade de elastecer a memória até os alicerces da violência, suas causas e artífices. Impossível não fazer paralelo com a justiça de transição e seus tempos diluídos.

O 8 de janeiro já inspira estudos por todo o país e que podem constituir um mosaico de memórias e verdades a respeito da infâmia que se abateu sobre o país e que não se resume a um único dia. Estão em debate as razões que gestaram o 8 de janeiro, as razões mais ou menos pronunciadas, muitas vezes minimizadas pela imprensa hegemônica e, não raro, evitadas para que a democracia siga uma determinada senda de conciliação. Mas em democracia ninguém decretará a última palavra.

Por exemplo. Outras datas concorrem e precedem o 08 de janeiro para explicar os ataques ao sistema eleitoral: recordemos o violento 19 de dezembro de 2023, as depredações e incêndios por ocasião da diplomação Presidencial em Brasília; ou o dia 30 de outubro de 2023, 2º turno das eleições e a tentativa de interferência eleitoral lideradas pelo então diretor da Polícia Rodoviária Federal; a minuta do golpe e as comemorações violentas do 07 de setembro em cada ano, as ameaças nominais a Ministros do STF e suas famílias, a reunião de Jair Bolsonaro com embaixadores de outros países para desacreditar as urnas eletrônicas; e como não lembrar os ataques com fogos de artifício simulando explosões à sede do STF por apoiadores acampados na explanada, proferindo advertências para que os Ministros se preparassem para o pior, isso em junho de 2020. Todos estes fatos concatenados fazem parte da investigação conduzida pelo Ministro Alexandre de Moraes no volumoso inquérito que ganha elementos sombrios, como as recém reveladas ameaças de enforcamento e o monitoramento, com ingerência externa, de aproximadamente 30 mil cidadãos brasileiros.

E será suficiente delimitar a memória do 08 de janeiro às ameaças ao sistema eleitoral? Ou acaso o próprio sistema eleitoral e o sistema de justiça não contribuíram para a desestabilização da qual foram vítimas? Como não lembrar do 30 de agosto de 2018, quando, por 06 votos a 01, os Ministros do TSE inabilitaram o então candidato Lula, deixando ao Partido dos Trabalhadores o prazo de 10 dias para substituir o candidato que concorreria contra Jair Bolsonaro? Como esquecer a farsa jurídica da Lava Jato? Como esquecer o papel omisso e disfuncional da Procuradoria Geral da República bloqueando denúncias e investigações que poderiam ter evitado o extremismo político no país.

Será suficiente para a eficiente memória histórica que os documentários jornalísticos enquadrem os eventos de apenas um dia? Em uma sociedade que, aos trancos e barrancos, sabe como exercer justiça de transição a ponto de criar, por lei, uma Comissão de Anistia e implementar uma Comissão Nacional da Verdade, uma coisa não exclui a outra: valorizar a importância dos memoriais que exemplificam a violência não impede exercer memória, verdade e justiça contra quem produzir as condições dessa mesma violência. Somente assim a repetição poderá ser evitada.

Jamais será esquecida a gestação do bolsonarismo e a sua ameaçadora continuidade, o papel do sistema de justiça na prisão de um líder político que agora é o único capaz de conclamar a unidade, o golpe de 2016 com a supressão antecipada e ilegal de um mandato presidencial e a substituição do projeto soberano de país. Tudo isso sem esquecer o mando militar em cada etapa e que, pouco a pouco, vamos descobrindo, das omissões dolosas do 08 de janeiro ao tuíte do General Villas Boas, passando pelas motociatas da pandemia.

*Doutora em Direito, Professora da UFRJ, Fundadora da ABJD

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