COVID-19 en Brasil: «¿Y qué?» – Revista The Lancet

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‘Bolsonaro precisa mudar drasticamente seu rumo ou terá de ser o próximo a sair’, diz editorial da revista científica ‘The Lancet’

A revista médica britânica “The Lancet”, que existe há 196 anos e é uma das mais respeitadas do mundo em sua área, publicou nesta quinta-feira (7) um editorial em que faz um panorama da situação brasileira em relação ao novo coronavírus e afirma que «talvez a maior ameaça à resposta à Covid-19 para o Brasil seja o seu presidente, Jair Bolsonaro».

Editorial é o nome dado ao artigo que representa a opinião do veículo de comunicação que o publica.

«The Lancet» destaca como preocupante no Brasil o fato de «a estimativa da taxa de duplicação do número de mortes ser apenas de 5 dias», além de «ser o país com a mais elevada taxa de transmissão» entre 48 avaliados pelo Imperial College de Londres.

O presidente brasileiro, diz o editorial, semeia «confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distanciamento físico e confinamento introduzidas pelos governadores de estado e pelos prefeitos das cidades», além de ter perdido dois importantes ministros — Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro.

Relembrando a reação de Bolsonaro com a frase «E daí? Lamento, quer que eu faça o quê?» quando questionado sobre o rápido aumento das mortes no país, «The Lancet» afirma: «O Brasil como país deve unir-se para dar uma resposta clara ao ‘E daí?’ do presidente. Bolsonaro precisa mudar drasticamente o seu rumo ou terá de ser o próximo a sair».

Veja abaixo a íntegra do editorial da «The Lancet»:

COVID-19 no Brasil : “ E daí ?”

A epidemia da Covid-19 atingiu a América Latina mais tarde do que outros continentes. O primeiro caso registado no Brasil foi em 25 de Fevereiro de 2020. Mas agora, o Brasil tem o maior número de casos e mortes por Covid-19 na América Latina (105 222 infecções e 7288 casos, respectivamente, registrados no dia 5 de Maio), e estes números provavelmente representam uma enorme subestimativa. Ainda mais preocupante é o fato de a estimativa da taxa de duplicação do número de mortes ser apenas de 5 dias, e de o Brasil ser o país com a mais elevada taxa de transmissão (R0 de 2.81), de acordo com um estudo recente do Imperial College (Londres, Reino Unido) que analisou a taxa ativa de transmissão do COVID-19 em 48 países.

Neste momento, cidades grandes como São Paulo e Rio de Janeiro são os principais focos, mas há sinais de que a infecção está se deslocando para o interior dos estados, onde estão localizadas cidades menores, sem provisões adequadas de leitos com cuidados intensivos e ventiladores. Ainda assim, talvez a maior ameaça à resposta à Covid-19 para o Brasil seja o seu presidente, Jair Bolsonaro. Quando na semana passada os jornalistas o questionaram sobre o rápido aumento de casos, ele respondeu: “E daí? Lamento, quer que eu faça o quê? » Ele não só continua semeando confusão, desprezando e desencorajando abertamente as sensatas medidas de distanciamento físico e confinamento introduzidas pelos governadores de estado e pelos prefeitos das cidades, mas também perdeu dois importantes e influentes ministros nas 3 últimas semanas.

Primeiro, no dia 16 de abril, Luiz Henrique Mandetta, o respeitado e estimado ministro da Saúde, foi despedido na sequência de uma entrevista televisiva, na qual ele criticou fortemente as ações de Bolsonaro e apelou para uma voz de unidade para evitar que os 210 milhões de Brasileiros fiquem totalmente confusos. Depois, no dia 24 de Abril, na sequência da exoneração do diretor geral da Polícia Federal por Bolsonaro, o ministro da Justiça Sérgio Moro anunciou a sua própria demissão.

Este ministro era uma das figuras mais poderosas do governo de direita do Brasil, nomeado por Bolsonaro para combater a corrupção. Esta desorganização no centro da administração do governo é não só uma distração com consequências fatais no meio de uma situação de emergência de saúde pública, mas também um forte sinal de que a liderança no Brasil perdeu o seu compasso moral, se é que alguma vez teve um.

Mesmo sem ações políticas em nível federal, o Brasil teria um desafio difícil no combate à Covid-19. Cerca de 13 milhões de brasileiros vivem em favelas, que frequentemente têm casas com mais de três pessoas por cômodo e reduzido acesso a água limpa. Recomendações para distanciamento físico e higienização são praticamente impossíveis de seguir nestas condições. Mesmo assim, várias favelas se organizaram para implementar medidas da melhor forma possível.

O Brasil tem um setor de emprego informal bastante grande, em que a maior parte das fontes de rendimento deixaram de ser opção perante as medidas implementadas. A população indígena já estava sob ameaça séria mesmo antes da chegada da Covid-19 porque o governo tem ignorado ou até incentivado a exploração ilegal de minas e de madeira na floresta amazônica. Agora há o risco destes mineiros e madeireiros introduzirem esta nova doença em populações remotas. Uma carta aberta publicada em 3 de maio, escrita por uma coligação global de artistas, celebridades, cientistas, e intelectuais, e organizada pelo fotojornalista Sebastião Salgado, alertou para um genocídio iminente.

E como tem reagido a comunidade científica e a sociedade civil, num país conhecido pelo seu ativismo e franca oposição à injustiça e desigualdades, e onde a saúde é um direito constitucional? Muitas organizações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências e a Abrasco, há muito se opõem a Bolsonaro por causa dos cortes drásticos no financiamento da ciência e pela destruição da segurança social e serviços públicos em geral.

No contexto da Covid-19, muitas organizações lançaram manifestos dirigidos ao público, como por exemplo o “Pacto pela vida e pelo Brasil”, e escreveram declarações e apelos a oficiais do governo pedindo unidade e soluções conjuntas. Protestos da população são frequentes e incluem bater em panelas nas varandas durante comunicações da Presidência. Há muita pesquisa a ser feita, desde as ciências básicas à epidemiologia, e há uma produção rápida de equipamentos de proteção individual, respiradores, e kits de teste.

Estas são ações esperançosas. Contudo, a liderança no nível mais elevado do governo é crucial para rapidamente evitar o pior nesta pandemia, como tem sido evidenciado em outros países. Na nossa série de artigos publicados sobre o Brasil em 2009, os autores concluíram: “Em última análise, o desafio é político, exigindo o envolvimento contínuo da sociedade brasileira como um todo, para garantir o direito à saúde de todo o povo brasileiro.” O Brasil como país deve unir-se para dar uma resposta clara ao “E daí? “ do presidente. Bolsonaro precisa mudar drasticamente o seu rumo ou terá de ser o próximo a sair.

O Globo


COVID-19 in Brazil: “So what?” – The Lancet

The coronavirus disease 2019 (COVID-19) pandemic reached Latin America later than other continents. The first case recorded in Brazil was on Feb 25, 2020. But now, Brazil has the most cases and deaths in Latin America (105 222 cases and 7288 deaths as of May 4), and these are probably substantial underestimates. Even more worryingly, the doubling of the rate of deaths is estimated at only 5 days and a recent study by Imperial College (London, UK), which analysed the active transmission rate of COVID-19 in 48 countries, showed that Brazil is the country with the highest rate of transmission (R0 of 2·81). Large cities such as São Paulo and Rio de Janeiro are the main hotspots now but there are concerns and early signs that infections are moving inland into smaller cities with inadequate provisions of intensive care beds and ventilators. Yet, perhaps the biggest threat to Brazil’s COVID-19 response is its president, Jair Bolsonaro.

When asked by journalists last week about the rapidly increasing numbers of COVID-19 cases, he responded: “So what? What do you want me to do?” He not only continues to sow confusion by openly flouting and discouraging the sensible measures of physical distancing and lockdown brought in by state governors and city mayors but has also lost two important and influential ministers in the past 3 weeks. First, on April 16, Luiz Henrique Mandetta, the respected and well liked Health Minister, was sacked after a television interview, in which he strongly criticised Bolsonaro’s actions and called for unity, or else risk leaving the 210 million Brazilians utterly confused. Then on April 24, following the removal of the head of Brazil’s federal police by Bolsonaro, Justice Minister Sérgio Moro, one of the most powerful figures of the right-wing government and appointed by Bolsonaro to combat corruption, announced his resignation. Such disarray at the heart of the administration is a deadly distraction in the middle of a public health emergency and is also a stark sign that Brazil’s leadership has lost its moral compass, if it ever had one.

Even without the vacuum of political actions at federal level, Brazil would have a difficult time to combat COVID-19. About 13 million Brazilians live in favelas, often with more than three people per room and little access to clean water. Physical distancing and hygiene recommendations are near impossible to follow in these environments—many favelas have organised themselves to implement measures as best as possible. Brazil has a large informal employment sector with many sources of income no longer an option. The Indigenous population has been under severe threat even before the COVID-19 outbreak because the government has been ignoring or even encouraging illegal mining and logging in the Amazon rainforest. These loggers and miners now risk bringing COVID-19 to remote populations. An open letter on May 3 by a global coalition of artists, celebrities, scientists, and intellectuals, organised by the Brazilian photojournalist Sebastião Salgado, warns of an impending genocide.

What are the health and science community and civil society doing in a country known for its activism and outspoken opposition to injustice and inequity and with health as a constitutional right? Many scientific organisations, such as the Brazilian Academy of Sciences and ABRASCO, have long-opposed Bolsonaro because of severe cuts in the science budget and a more general demolition of social security and public services. In the context of COVID-19, many organisations have launched manifestos aimed at the public—such as Pact for Life and Brazil—and written statements and pleas to government officials calling for unity and joined up solutions. Pot-banging from balconies as protest during presidential announcements happens frequently. There is much research going on, from basic science to epidemiology, and there is rapid production of personal protective equipment, respirators, and testing kits.

These are hopeful actions. Yet, leadership at the highest level of government is crucial in quickly averting the worst outcome of this pandemic, as is evident from other countries. In our 2009 Brazil Series, the authors concluded: “The challenge is ultimately political, requiring continuous engagement by Brazilian society as a whole to secure the right to health for all Brazilian people.” Brazil as a country must come together to give a clear answer to the “So what?” by its President. He needs to drastically change course or must be the next to go.

The Lancet


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