Jean Wyllys, diputado brasileño sobre el impeachment contra Dilma Rousseff: «El mundo sintió vergüenza ajena»

605

Jean Wyllys: ‘O mundo sentiu vergonha alheia’

Movido pela ideia de que o Brasil e o mundo vão superar a onda de retrocesso conservador, o deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) acredita que o impeachment poderá ser derrotado. “Eu creio que há, sim, uma chance da Dilma voltar. Se voltar, ela sabe que não tem ambiente legislativo e parlamentar para governar. Então, quando sinalizou que iria consultar a sociedade por meio de um plebiscito eu achei a decisão mais acertada”, afirma o deputado, em entrevista concedida no dia 4 de julho ao programa Contraponto, produção da TV do Sindicato dos Bancários de São Paulo em parceria com o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé. Para o deputado, o governo interino de Michel Temer está “caindo de podre”.

Jean Wyllys observa que a crise de representatividade política não é exclusividade nossa. Mas lembra do 17 de abril, na votação do processo de impeachment pela Câmara. “O mundo sentiu vergonha alheia”, diz o parlamentar, para quem mesmo os favoráveis ao processo ficaram envergonhados. Mas a imagem refletida no espelho, mesmo desagradável, não é totalmente mentirosa. “Se por um lado o Congresso não representa o Brasil, por outro representa preconceitos que estão arraigados ainda na alma da maioria do povo.”

Autor de um projeto de lei (4.211, de 2012) que regulamenta a atividade das profissionais do sexo, Wyllys defende a descriminalização das casas de prostituição: “Só tem como combater a ‘cafetinagem’, que é entre aspas, se regulamentar a profissão e legalizar as casas. Se as prostitutas decidirem criar uma cooperativa, elas são criminalizadas, elas são presas por cafetinagem, porque a casa é crime. E isso não tem lógica, muitas trabalhadoras do sexo são mães de família, têm filhos, sustentam a casa. E elas não querem prestar o serviço na casa delas”.

Participaram da entrevista o repórter Helder Lima, da Revista do Brasil, e os blogueiros Altamiro Borges, Conceição Oliveira e Eduardo Guimarães, com mediação da presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira.

Em 17 de abril, você classificou de “farsa” a votação do impeachment na Câmara. Como vê o andamento do processo?

O tiro saiu pela culatra. O Brasil se mirou naquele espelho e não gostou do que viu. O mundo sentiu vergonha alheia e a maioria dos brasileiros, mesmo os que eram favoráveis ao impeachment, ficou envergonhada, com aquele sistema político que foi desnudado. A imagem refletida naquele espelho não é totalmente mentira. Se por um lado o Congresso não representa o Brasil, por outro representa preconceitos que estão profundamente arraigados ainda na alma da maioria do povo brasileiro. Preconceitos de raça e étnicos, preconceito de gênero, muito machismo, em relação à identidade sexual, identidade de gênero e orientação sexual. O conservadorismo do Congresso de uma maneira geral reflete um conservadorismo que está, sim, na alma da maioria do povo brasileiro.

E é possível sair dessa crise de representatividade?

Há uma crise da representação política no mundo porque há uma transformação em curso, decorrente dessa globalização tardia, sobretudo a que se dá por meio das novas tecnologias de comunicação e informação, e isso tem imposto sobre os sistemas políticos uma exigência de transparência, mas nem sempre os sistemas políticos respondem. O sistema político brasileiro sempre foi blindado do resto da sociedade, que pouco participa de instâncias decisórias. Essas novas tecnologias estão rompendo essa blindagem. Essa crise não está só no parlamento, é uma crise dentro dos próprios movimentos, nos sindicatos. Os sindicatos estão se confrontando com uma questão que é interessante, porque sempre priorizaram uma agenda de classe, do conflito de classes, a relação entre empregados e patrões. Mas as questões de gênero, por exemplo, invadiram os sindicatos.

Afinal de contas, como fica a questão das mulheres? Como os homens, trabalhadores que estão na greve, com megafone nas ruas, como fica a questão de esses homens chegarem em casa e baterem em suas mulheres? Ou oprimi-las, ou não considerar o trabalho doméstico como um trabalho a ser respeitado e reconhecido? E as questões colocadas pela comunidade LGBT, as questões raciais…  Eu creio, quero crer, que as próximas eleições, livres do financiamento empresarial de campanha e diante dessa exigência de transparência e de qualidade de políticos, que depois de 2018 o resultado vai ser outro. Teremos um parlamento melhor. Quero crer que vai acontecer.

O governo Temer dura até 2018? Dilma pode voltar? Existem propostas como a do plebiscito…

Eu creio que há, sim, uma chance de a Dilma voltar. Se voltar, ela sabe que não tem ambiente legislativo e parlamentar para governar. Então, quando sinalizou que iria consultar a sociedade por meio de um plebiscito, achei a decisão mais acertada. Se a sociedade disser que quer antecipação das eleições gerais, ela sai ganhando porque se a sociedade quer, não se pode contrariar. A maioria quer antecipar as eleições. Então, em 2017 acontecem eleições gerais, deputados e senadores perdem um ano de seus mandatos. Se ao contrário, as pessoas disserem que querem que ela governe até 2018, ela também sai vitoriosa. E o Congresso também não vai ter o argumento de dizer que a está sabotando porque a população não quer esse governo. E a Dilma sinalizou que vai jogar muito mais com a sociedade civil organizada e menos com o Congresso. Para usar as palavras dela, ela disse que cometeu erros e não crimes. E eu concordo: ela cometeu erro gravíssimo, que foi ceder a essas forças conservadoras que compunham em tese a base do governo. O governo Michel Temer está caindo de podre. Essa é a verdade. É um governo rejeitado pela maioria da população, implicado em escândalos de corrupção.

O “governo” Temer é um governo profissional, no sentido de que representa quem governa o país há 500 anos. Não pode, portanto, se sustentar na votação do Senado?

Ele pode se sustentar por isso, um fisiologismo, pelas velhas práticas que sempre gangrenaram nosso sistema político. E se isso acontecer, e eu digo “se acontecer” porque há uma chance de a Dilma voltar, isso desnuda que a nossa democracia é uma farsa, tem dono­, pertence à plutocracia brasileira. Aí, cabe a nós, progressistas, de esquerda, pessoas com vida e pensamento, desmoralizar essa farsa cada vez mais por meio dos nossos canais, dos nossos meios de comunicação, que são poucos, mas também podem ser eficazes. Mostrar o quanto a imprensa montou uma narrativa anticorrupção e agora é condescendente com esse escândalo, que é a distribuição de cargos para garantir o impeachment. A imprensa é condescendente com o envolvimento direto das figuras do governo Temer em escândalos investigados pela Lava Jato. A Lava Jato não é uma vaca sagrada. E a gente precisa mostrar o quanto ela tem agido, desde sempre, de maneira parcial, sob o comando de um juiz que age seletivamente, o Sergio Moro. Ele não tem compromisso necessariamente com a Justiça, ele tem com um lado das forças em conflito. Esse governo pode se sustentar sobretudo porque está agradando a plutocracia, os ricos, e eles não querem perder. Decidiram tirar do condomínio do poder o sócio mais novo e minoritário, que apesar de ter feito parte da festa, ainda se importava com os mais pobres. E aí decidiram tirar o PT, e para isso valeu criminalizar deliberadamente o PT, e por extensão toda a esquerda.

E o Supremo Tribunal Federal estaria se omitindo?

No Brasil, nós não tivemos acesso à Justiça. Se pensarmos em um aspecto da Justiça que é o encarceramento de pessoas, sobretudo na quantidade de prisões provisórias que tem neste país, e se pensarmos no perfil socioeconômico de quem está preso, veremos que a Justiça sempre serviu à gestão da pobreza, por meio do encarceramento e por meio de manter impune quem hoje executa quase que um programa de extermínio de pobres, nas periferias, com a desculpa da guerra às drogas. Antes se ouvia dizer “neste país só se combate preto, pobre e puta”, era um ditado muito corrente, e agora tem mais um P, não agora, na verdade, antes mesmo de o PT chegar ao poder, já em 1989, a partir da primeira candidatura do Lula, já se dizia que neste país só se prende preto, pobre, puta e petista.

É importante dizer: eu não estou inocentando aqui as pessoas­ do PT que se locupletaram, que se deixaram picar pela mosca azul, que participaram de esquemas de corrupção. E não acho que elas têm de ficar impunes. O que eu quero dizer é que há um partido apresentado pela imprensa como de moralidade e é imoral, que é o PSDB, um partido que tem muitos esquemas de corrupção montados nos estados e também em nível nacional e que não sofre a mesma perseguição, a mesma criminalização nem é alvo da Justiça. Nunca fui filiado ao PT, eu digo isso porque a criminalização do PT se estende ao conjunto da esquerda.

Em 1964, não havia alternativa de comunicação. Quase toda a imprensa apoiou o golpe, como apoia agora. Mas eis que existem as redes sociais, e você está muito presente nelas, isso ajuda a formar opinião?

A comunicação é feita de emissor, mensagem e receptor. A gente sempre pensa na comunicação no endereçamento, mas temos de pensar no receptor, na história de vida e nas mediações que acontecem na recepção dessa mensagem. O Lula, por exemplo, empreendeu uma série de programas sociais, que transformaram a vida das pessoas e levaram essas pessoas a receber de maneira diferente a mensagem que a Globo mandava. A mensagem de que o Lula é um escroto não é recebida. E as redes sociais potencializaram isso, porque elas trazem o elemento da interatividade. Você não é mais uma maioria silenciosa. Nas novas mídias, cada ponto na audiência passou a ser um indivíduo com opinião. Isso empoderou novos coletivos, produziu uma atuação política mais horizontal e descentralizada, permitiu que grupos que antes eram invisíveis se colocassem e fizessem essa disputa, sobretudo a juventude, mas ao mesmo tempo, para citar Umberto Eco, as redes sociais também deram voz à legião de imbecis.

Creio que as pessoas com o tempo saberão quais lugares podem consultar com credibilidade. As redes tiveram um papel importantíssimo no enfrentamento ao golpe, que é diferente do de 1964. É golpe parlamentar, institucional, uma nova modalidade que está se espalhando na América Latina, travestida de legalidade. Mas é golpe. E ao contrário do golpe de 1964, em que os meios de massa controlaram toda a narrativa, agora eles não puderam controlar.

Você falou sobre as velhas formas de fazer política, mas e as novas? Os secundaristas representam essas novas formas?

Sim, tem muitas novas formas de fazer política, e elas estão sempre em consonância com as redes sociais e a internet. É incrível o impacto que isso vem produzindo, não só nos nossos modos de vida, mas nas nossas próprias estruturas cognitivas. Agora há uma combinação de atuação, ocupam-se as ruas e de maneira lúdica e claramente com atuação das redes sociais. Essas são novas formas de fazer política, e talvez a juventude tenha diálogo maior com o meu mandato porque tenho procurado também uma nova forma de fazer a representação política.

Dos 513 deputados, sou o único que tem um conselho social. Minhas proposições legislativas e pedidos de audiências públicas e requerimento de informação, e a própria discussão em torno do orçamento da União, são feitas a partir de consulta com o conselho, que tem hoje 100 pessoas. A atuação nas redes sociais é extensão da minha tribuna, a tribuna real no parlamento. Se as pessoas não podem ir a Brasília participar de audiências, eu transmito, faço isso com uma linguagem cada vez mais próxima da linguagem que essa juventude vem utilizando, e com isso vamos fortalecendo a democracia participativa.

E sobre a regulamentação da prostituição?

O Brasil encontrou uma maneira de criminalizar indiretamente a prostituição, de manter o estigma sobre as trabalhadoras do sexo, quando criminalizou a casa de prostituição. Então, a prostituição não é criminalizada, aparece na lista do Ministério do Trabalho (Código Brasileiro de Ocupações), à espera de regulamentação, e o Código Penal, de maneira enviesada, criminalizou a “casa”. Desde 1987, quando eu era criança em Alagoinhas (BA), ajudando meu irmão a vender algodão-doce para ajudar a minha família miserável, que Gabriela Leite, que já se foi desta (morreu em 2013), iniciou um movimento de organização das trabalhadoras do sexo, criou a Daspu. A Gabriela pleiteou a regulamentação justamente para livrar mulheres da exploração sexual, do tráfico humano, da escravidão. Então, jamais iria oferecer um projeto que beneficie cafetões.

É o ponto polêmico, é daí que vem a ideia de que está tornando o cafetão empresário…

Sim, é o ponto polêmico, só que essa proposta de legalização da casa não é minha, mas das trabalhadoras do sexo. Então, quem são as feministas, criadas a Ovomaltine, e educadas nas melhores faculdades de sociologia do país, brancas, quem são elas para achar que podem falar em nome das trabalhadoras do sexo? E se vale a máxima do empoderamento e do protagonismo, por que elas querem roubar o protagonismo das trabalhadoras do sexo? Deixa elas falarem por si mesmas, dizerem da realidade da prostituição. Segundo ponto, um dogma do feminismo é “meu corpo, minhas regras”. Ué, isso vale para o aborto, mas não vale para uma mulher vender o serviço sexual? Que hipocrisia, que moralismo é esse?

E como combater a cafetinagem?

Só tem como combater a “cafetinagem”, que é entre aspas, se regulamentar a profissão e legalizar as casas. Se as prostitutas decidirem criar uma cooperativa, elas são criminalizadas, elas são presas por cafetinagem, porque a casa é crime. E isso não tem lógica, muitas trabalhadoras do sexo são mães de família, têm filhos, sustentam a casa. E elas não querem prestar o serviço na casa delas.

As pessoas precisam conhecer a realidade da prostituição neste país, entender que é um fenômeno complexo, que atravessa as classes. Em uma casa que opere legalmente, com fiscalização do Estado, não haverá exploração de mulheres ali, porque ela vai poder judicializar as questões, se ela não for paga. Os programas de combate às DST (doenças sexualmente transmissíveis) podem ir a essa casa, não vai ter meninas menores ali. É uma situação parecida com o tráfico de drogas, quer dizer, o tráfico nasce da proibição.

Como você vê a questão da criminalização da homofobia?

Tem muitos ativistas homossexuais que têm agido de maneira desonesta com relação a mim, não sei por que motivo. Defendo que haja, sim, criminalização da homofobia, mas em quais termos? O Código Penal – que é algo relativamente simples, se houver boa vontade do parlamento para isso – tem de reconhecer a homofobia entre as motivações torpes do homicídio, da lesão corporal e da tortura. Essa motivação tem de estar lá entre os motivos torpes, e essa motivação tem de agravar as penas para esses crimes. Agora, eu não acho e não defendo que a discriminação e a injúria homofóbica tenham de ser punidas com pena de prisão pura, nos moldes em que o racismo hoje, segundo a lei, é punido, e na prática, de fato, nunca é.

Ninguém nasce homofóbico, a homofobia não é um dado da natureza. É adquirida, como o racismo, no processo de socialização. Tem a ver com o sistema de ensino, com o sistema informal de educação, os meios de comunicação, com a transmissão dos valores da família, com a educação religiosa. O cara ser preso por ter me chamado de veado, ou escroto, fica pior na prisão; nossas prisões são masmorras medievais. Eu sou um cara comprometido com o Estado penal mínimo, defendo a legalização do aborto – portanto, sua descriminalização –, defendo a legalização da maconha, sou a favor da descriminalização do comércio e do consumo de drogas, sou a favor da legalização das casas de prostituição, portanto, da descriminalização da prostituição, e por que vou defender um projeto de lei que criminaliza uma pessoa que me chama de veado? Eu quero que essa pessoa se transforme, que a homofobia dela seja excluída, e isso só pode acontecer não com penas duras de prisão, mas com medidas socioeducativas, prestação de serviços, palestras. A esquerda tem de ser vigilante para não cair no discurso populista.

Rede Brasil Atual

Más notas sobre el tema