Brasil: Más de 36 concejales fueron asesinados desde enero de 2016

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Ao menos 36 vereadores foram assassinados em todo o país nos últimos dois anos

“Quantos mais vão precisar morrer antes que essa guerra acabe?”

Esse foi um dos questionamentos mais levantados durante as diversas manifestações realizadas em todo o país, nesta quinta-feira (15), em resposta ao assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (Psol) e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes, na noite da véspera. O caso, que vem sendo apontado como execução, causou comoção não só no Brasil, mas também no exterior – até membros do parlamento europeu, em reunião formal, manifestou solidariedade à brasileira e seu companheiro de trabalho. Mas o caso de Marielle está longe de ser exceção em um país refém do crime organizado.

Um levantamento feito pelo Congresso em Foco, com base apenas em dados tornados públicos entre janeiro de 2016 e este já fatídico 15 de março, revela que pelo menos 36 vereadores foram executados no exercício do mandato, dois deles suplentes.

O Ceará lidera o ranking dos estados que mais tiveram vereadores assassinados: sete parlamentares. Em seguida estão o Maranhão e o Pará, onde quatro vereadores foram assassinados em cada um dos estados (veja detalhamento abaixo, estado por estado).

Os crimes foram cometidos de diversas maneiras e englobam 17 estados nas cinco regiões do Brasil. A maioria foi praticada por disparos de arma de fogo, caso de Marielle Franco. O obituário seria muito maior se fossem incluídos na conta todos os ex-vereadores, candidatos a vereadores ou parentes de vereador executados por motivos políticos.

Diante dessa realidade, o governo federal não tem tomado providências para proteger, na esfera pública, não só vereadores, mas também ativistas e demais militantes de qualquer causa. Segundo reportagem veiculada nesta quinta-feira (15) no site do jornal O Estado de S. Paulo, o governo ignorou alertas das Nações Unidas sobre ameaças e assassinatos envolvendo ao menos 17 ativistas de direitos humanos. O registro consta de cartas confidenciais que relatores da ONU enviaram ao Brasil em 2017. Sequer uma delas teve resposta, informa o escritório de Direitos Humanos da ONU.

Luta

Com uma filha de 19 anos, Marielle era negra, socióloga e ativista dos direitos humanos, além de exercer uma natural liderança feminista. Quatro dias antes do seu assassinato, Marielle fez uma denúncia em seu perfil nas redes sociais contra policiais do 41º BPM (Batalhão da Polícia Militar) de Acari.

Há duas semanas, Marielle assumiu a função de relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio, criada para acompanhar a atuação das tropas na intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer (MDB), em ano eleitoral, em meio a muitas interrogações, entre elas a fonte de custeio. A própria vereadora, para quem Temer e seus aliados deram um golpe em Dilma Rousseff com o impeachment, era contra a ação militar patrocinada pelo governo.

O caso de Marielle, para responder à pergunta do início desta reportagem, está longe de ser o último, conforme demonstram números sobre vereadores assassinados nos últimos dois anos. Os dados aqui levantados apenas indicam que a realidade pode ser ainda mais negativa. No Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não há dados consolidados sobre assassinato de vereadores nos últimos anos.

Em 2016, por ter sido uma campanha marcada por assassinatos de pré-candidatos, o tribunal fez um levantamento dos casos de violência contra candidatos a vereador durante a campanha eleitoral, entre agosto e outubro. Como este site antecipou à época, pelo menos 20 candidatos a prefeito e vereador foram assassinados em todo o país.

MARANHÃO

– No dia 2 de janeiro de 2017, o vereador do município de Apicum-Açu (MA) Jorge Cunha (PROS) foi assassinado a facadas por causa de R$ 2. Ele estava participando de uma festa no povoado Turilana, no mesmo município, quando foi esfaqueado após negar dinheiro para o suspeito de cometer o crime.

O suspeito de cometer o crime identificado como “Pelebreu”, de 25 anos, teria pedido a quantia de R$ 2 ao vereador, que disse que não tinha o valor. O vereador seguiu para o seu veículo quando foi abordado novamente pelo suspeito. Após negar novamente a quantia, ele foi atingido por duas facadas, sendo uma no peito e outra na costela. O vereador Jorge Cunha, de 47 anos, não resistiu e acabou falecendo.

– Em Agosto de 2017, um vereador da cidade de Governador Nunes Freire (MA) morreu a golpes de faca na cidade de Turilândia. Antonio Kledison Rodrigues Costa (PPS), conhecido como “Kledson”, de 38 anos, foi morto com várias facadas em uma área de matagal, nas proximidades do povoado Bacabeira, em Turilândia. Ele foi o terceiro mais votado na eleição de 2016.

– Em 2016, o vereador Esmilton Pereira dos Santos, de 45 anos, foi executado a tiros quando chegava em casa. Ele estava em seu quarto mandato e era, na época, candidato à reeleição.

– Em dezembro de 2016, Cesar Augusto Miranda, de 45 anos, eleito vereador pelo PR, no município de Godofredo Viana, foi diplomado pela manhã e no início da noite foi alvejado por três disparos de arma de fogo.

ALAGOAS

– No final de 2017, somente na cidade de Batalha, Sertão de Alagoas, dois vereadores foram assassinados em um intervalo de pouco mais de um mês. Em dezembro, o vereador Tony Carlos Silva de Medeiros, o Tony Pretinho (PR), 34, foi morto a tiros de pistola e de espingarda quando conversava com amigos na porta de casa.

– No início de novembro, o vereador Adelmo Rodrigues de Melo, o “Neguinho Boiadeiro” (PSD), também foi assassinado a tiros, mas em uma circunstância diferente, quando saía da Câmara de Vereadores.

SERGIPE

– Em junho do ano passado, o presidente da Câmara de Vereadores de Carira, em Sérgipe, Jailton Martins de Carvalho, o Jailton do Preá, de 46 anos, e seu motorista, José Válter da Costa, foram assassinados por tiros.

Às sextas-feiras são abatidos, no matadouro de Carira, animais das cidades de Pinhão, Pedro Alexandre e Coronel João Sá. De acordo com amigos do vereador, ele sempre acompanha o abate, e possivelmente sabendo desse hábito, os criminosos aproveitaram para praticar o crime. Quatro homens em duas motocicletas chegaram ao local e efetuaram os disparos de arma de fogo, o que resultou no duplo assassinato.

GOIÁS

– O secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Goianésia e vereador licenciado, Wilson Portilho da Cunha (PMDB), de 48 anos, foi encontrado morto no dia 6 de dezembro de 2017. Ele estava desaparecido havia dois dias, depois de sair da prefeitura no carro oficial. O corpo foi localizado no distrito de Cirilândia, no município de Santa Isabel. Wilson Portilho estava no seu segundo mandato. O corpo foi encontrado, segundo a imprensa local, com um tiro na cabeça.

MINAS GERAIS

– O vereador de Santa Helena de Minas Alexandro Pereira da Silva, de 37 anos, foi assassinado a tiros no Centro da cidade, no dia 18 de fevereiro de 2017. Testemunhas informaram à Polícia Militar que o parlamentar transitava em uma moto quando foi surpreendido por dois homens, que também estavam em uma motocicleta. O homem que estava na garupa efetuou, segundo relatos, diversos tiros. O parlamentar já havia sofrido uma tentativa de homicídio. Testemunhas também disseram que ele estava em atrito com um morador, por motivos políticos, e com um comerciante da cidade. Um dia antes do crime, Alexandro teria se envolvido em uma briga, mas a motivação não foi informada.

– Em março de 2017, o vereador de Santo Antônio do Monte, na Região Centro-Oeste do estado de Minas Gerais, Antônio Marcos dos Santos, de 41 anos, foi morto a tiros em Betim. Uma testemunha informou que Antônio Marcos foi executado por um homem que estacionou um Gol preto atrás do carro em que estava o vereador. Os trabalhos da perícia constataram quatro tiros no rosto e em uma das pernas do parlamentar.

CEARÁ

– No dia 4 de janeiro de 2016, o empresário e vereador do Município de Itarema, no litoral Oeste do estado (a 210Km de Fortaleza), José Marcondes Rodrigues (PRB), foi assassinado a tiros na Praia de Almofala, ao reagir a um assalto.

– No dia 13 de abril de 2016, o vereador Antônio Chagas de Oliveira (PTB), 48 anos, foi assassinado a tiros durante uma discussão política na porta de um bar na cidade de Catarina, na Região dos Inhamuns (a 394Km da Capital).

– No dia 31 de julho de 2016, o vereador e ex-presidente da Câmara dos Vereadores de Paraipaba (a 115Km de Fortaleza), Manoel Paulino Cavalcante, 62 anos, filiado ao PDT, foi morto a tiros na porta de casa, naquela cidade do Litoral Oeste do Estado. O crime teria sido uma vingança e não teve conotação política.

– No dia 5 de setembro de 2016, o vereador e candidato à reeleição José Elbio de Almeida Chaves, 39 anos, o “Elbinho”, filiado ao PPS, é morto, a tiros de escopeta calibre 12 e pistolas, por pistoleiros na cidade de São João do Jaguaribe (a 220Km de Fortaleza). A Polícia desconfia de que o crime foi motivado por disputa política na região.

– No dia 24 de setembro de 2016, vereador e candidato à reeleição em Aiuaba, na Região dos Inhamuns (a 430Km da Capital), José Valmir de Sousa, 58 anos, filiado ao PSDB, foi morto a tiros, por dois pistoleiros, no momento em que deixava o palanque onde participara de um comício na localidade de São Nicolau, na zona rural daquele Município. Logo em seguida, um filho dele matou um dos assassinos e feriu o segundo. O crime teve motivação política.

– No dia 27 de dezembro de 2016, o vereador e presidente da Câmara Municipal de São João do Jaguaribe, Francisco Anaílde Chaves (PDT), foi assassinado por pistoleiros. Anaildo, como era conhecido, foi o vereador mais votado nas eleições daquele ano.

– No dia 21 de fevereiro de 2017, a vereadora Jucely Alves Arrais (PDT), 36 anos, foi assassinada por pistoleiros na localidade Bom Nome, na zona rural do Município de Aiuaba. O crime ocorreu na residência de familiares.

SANTA CATARINA

– No dia 22 de junho de 2017, o vereador de Brunópolis, no Oeste catarinense, Ademir Carlos Patel (PMDB) foi morto após uma discussão em um posto de gasolina. Conforme a Polícia Civil, ele teria discutido com um homem sobre o arrendamento de terras quando foi baleado.

– Em agosto de 2016, o vereador Fernando Martim, de 58 anos, foi encontrado enforcado em um galpão em uma chácara que fica na Linha Progresso, em Tigrinhos (SC). Ele era professor aposentado, foi vice-prefeito por dois mandatos e atualmente era vereador pelo PSDB.

BAHIA

– Em setembro de 2016, o vereador José Claudio Carvalho Borges, de 46 anos, era candidato à reeleição pelo PSDB e foi assassinado a tiros durante um comício, no município de Barra, no oeste da Bahia.

PARÁ

– Em abril de 2017, o vereador aulo Chaves Marinho (PSB) foi morto a tiros em Rio Maria, no sudeste do Pará. Ele exercia o segundo mandato na câmara do município. A vítima foi abordada quando estava em um veículo. Do lado de fora do carro, ele foi alvejado cinco vezes. Duas balas acertaram o peito e três atingiram a cabeça de Paulo, que morreu no local.

– Em outubro de 2017, o vereador de Pau D’arco Manoel Francisco Soares de Almeida, de 43 anos, foi assassinado. O vereador estava em um bar com amigos, no centro de Pau D’Arco, quando foi morto. Ele levou dois tiros nas costas e um na cabeça. Testemunhas contaram que dois homens chegaram ao local em uma motocicleta.

– Em dezembro de 2017, o vereador José Roberto Cavalcante, o “Beto da Forquilha” foi assassinado em Tomé-Açu, município do nordeste do Pará. Beto foi o vereador mais votado de Tomé-Açú na eleição 2016.

– Em fevereiro de 2016, O vereador José Ernesto da Silva Branco, da Câmara de Goianésia do Pará, foi assassinado a tiros na saída da cidade. O parlamentar foi surpreendido por dois homens, que atiraram à queima-roupa, quando ele retirava um de seus caminhões de um atoleiro, próximo à rodovia PA-150. Dias antes de ser assassinado, José Ernesto havia prestado depoimento sobre a morte do prefeito do município, João Gomes.

PARAÍBA

– Em dezembro de 2016, o vereador Josevandro da Silva Marinho (PSB) morreu depois de reagir a um assalto na zona rural de Pocinhos, no Agreste paraibano. A vítima teria perseguido os assaltantes e acabou baleada. Josevandro tinha 55 anos e estava em seu sétimo mandato.

PARANÁ

– Em fevereiro deste ano, o vereador de Barra do Jacaré Elton Alexandre de Aguiar Matta (PV) foi assassinado durante uma tentativa de assalto a carros-fortes. O vereador viajava em um carro acompanhado dos parlamentares a caminho de Curitiba, onde fariam visitas a órgãos públicos estaduais.

PERNAMBUCO

– Em janeiro de 2016, o vereador Triunfo, Sertão de Pernambuco, Lucimar Feitosa Ventura (PSB) foi morto a tiros. De acordo com informações da polícia, o vereador estava saindo da residência dele em um sítio, em direção à cidade, quando os criminosos atiraram contra ele.

PIAUÍ

– Em agosto de 2016, o vereador do MDB e presidente da Câmara de Vereadores do município de Esperantina, a cerca de 188 km de Teresina, Antonio Aristides de Carvalho, conhecido como Tote Aristides, foi atingido com vários tiros nas proximidades de sua própria residência. Aos 64 anos, Tote Aristides estava realizando visitas aos seus eleitores, quando, de repente, teve início uma briga de casal. Ao tentar impedir que a mulher fosse assassinada pelo marido, foi alvejado com dois disparos de revólver no peito.

RIO DE JANEIRO

– No dia 14 de março deste ano, nesta quarta-feira, a vereadora Marielle Franco (PSOL), de 38 anos, foi assassinada a tiros, na Rua Joaquim Palhares, no Estácio, próximo à Prefeitura do Rio. O motorista que estava com ela, Anderson Pedro Gomes, também foi morto na ação. Marielle era negra, acadêmica, estava em seu primeiro mandato e era ativista dos direitos humanos. A parlamentar vinha denunciando excessos da Polícia Militar no estado. A principal linha de investigação é a de execução. Ela foi atingida por quatro tiros na cabeça.

– Em fevereiro de 2016, o vereador de Rio Claro (RJ) Silvério Amaro Pereira Filho, conhecido como Pendão, de 57 anos, foi assassinado a tiros. Ele estava dirigindo quando foi atingido pelos disparos na Rodovia Saturnino Braga (RJ-155).

– Em 13 de janeiro de 2016, Geraldo Cardoso, vereador do PSB em Magé, foi morto dentro da Câmara de Vereadores, com três tiros. Ele foi atacado no caminho entre o gabinete e o estacionamento. Segundo as investigações, Geraldo coordenava uma das comissões especiais de inquérito (CEI) da Casa, e lutava para tentar cassar um colega vereador por irregularidades em contratos com unidades de saúde.

RIO GRANDE DO NORTE

– Em setembro de 2016, o vereador e candidato à reeleição Manoel Clementino do Carmo (PMDB), de 56 anos, foi assassinado a tiros durante um evento político em Serrinha dos Pintos, cidade distante cerca de 367 quilômetros de Natal.

RONDÔNIA

– Em janeiro deste ano, o suplente de vereador em Cacoal, Rondônia, Uelliton Brizon foi atingido por quatro tiros de arma de fogo ao sair da sua casa. Ueliton Brizon ainda foi socorrido por uma unidade de resgate do Corpo de Bombeiros, mas não resistiu e morreu ao dar entrada no hospital de Cacoal.

SÃO PAULO

– Em novembro de 2017, o vereador de Guará (SP) Fabiano de Freitas Figueiredo (PMDB) foi morto a facadas dentro do sítio onde morava. Segundo a Polícia Civil, a principal suspeita do crime é a mulher do parlamentar.

– Em dezembro de 2016, o vereador reeleito de Porto Ferreira, interior de São Paulo, Gilson Alberto Strozzi (DEM), de 61 anos, foi assassinado com três tiros por homens encapuzados que invadiram sua casa, na cidade do interior de São Paulo.

– Em março de 2016, o advogado criminalista e suplente de vereador Leandro Balcone, de 35 anos, foi assassinado em seu escritório, localizado em Guarulhos, na Grande São Paulo. Balcone era um conhecido ativista anti-PT e integrava o Movimento Brasil Livre (MBL).

Congresso em foco


Gritemos! O Estado policial matou Marielle

No momento em que finalizo este texto milhares de pessoas, em comoção e indignação, raiva e tristeza, estão reunidas em várias cidades do Brasil e do mundo em protesto contra o assassinato de Marielle Franco.

É muito difícil escrever sobre uma morte tão brutal, que abate em pleno voo uma vida de luta dedicada à defesa dos direitos humanos, do povo pobre e preto das favelas, e principalmente das mulheres negras, as mais exploradas, as mais excluídas, as que mais sofrem com o desmonte dos direitos e das políticas sociais. Classe social no Brasil tem raça e tem gênero.

Nove disparos sobre o carro em movimento, vindos de outro carro em movimento a dois metros de distância. Quatro, com precisão milimétrica, atingiram Marielle Franco, outros três seu motorista, Anderson Pedro Gomes, que também morreu. Marielle havia acabado de sair da Roda de conversa Mulheres Negras Movendo Estruturas, transmitida ao vivo nas redes sociais. Os tiros foram disparados a poucos minutos do local do evento, o que indica que houve uma emboscada. Provavelmente o carro foi seguido desde que partiram do local, pois os vidros eram escuros e o atirador sabia exatamente onde estava o alvo.

Marielle Franco concorreu pelo PSOL em 2016, sendo a quinta vereadora mais votada no Rio de Janeiro. Era sua primeira candidatura, ela não era filha de políticos, não fazia parte das linhagens que dominam os espaços oficiais de poder no país há séculos. As instituições políticas brasileiras têm classe, tem raça e tem gênero.

Mulher, negra, bissexual, mãe, feminista, 38 anos, casada com outra mulher, nascida na Maré, complexo de favelas do Rio, socióloga, ativista dos direitos humanos, contra o racismo e a violência policial, sua atuação política fazia diferença dentro e fora da Câmara de Vereadores. Aquela que havia fugido das estatísticas sobre a população negra e favelada no Brasil. Seu projeto e seu ativismo foi o de pautar gênero, favela, raça e cidade. Integrante do movimento de resistência contra a intervenção militar no Rio de Janeiro, Marielle havia também assumido, em 28 de fevereiro, como relatora da Comissão da Câmara de Vereadores do Rio criada para acompanhar a intervenção federal na segurança pública do estado.

A premeditação, a precisão dos disparos, a fuga sem roubo, tudo leva a crer que foi uma execução política, muito provavelmente protagonizada por ou a mando de agentes do Estado.

Além de ser contrária à intervenção militar, Marielle vinha denunciando a atuação do 41º Batalhão da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro em algumas favelas e cuja violência e acúmulo de assassinatos só aumentou com a intervenção militar. Nesta semana mesmo, 10 de março, ela publicou duas denúncias em sua página no facebook:

“Sábado de terror em Acari! O 41° batalhão é conhecido como Batalhão da Morte. É assim que sempre operou a polícia militar do Rio de Janeiro e agora opera ainda mais forte com a intervenção.”

“Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior.”

E três dias depois, na última terça, ou seja, um dia antes de ser executada, denunciou a morte de Matheus Melo, de 23 anos, no Jacarezinho: “Mais um que pode estar entrando para a conta de homicídios da polícia. Quantos jovens precisarão morrer para que essa guerra aos pobres acabe?”

Em 2011, a juíza Patricia Acioli foi executada de modo semelhante, com 21 tiros, por policiais militares ligados a grupos de extermínio no Rio. Onze policiais militares foram condenados como responsáveis pela sua execução. Nos dez anos anteriores a seu assassinato, Patricia havia sido responsável pela prisão de 60 policiais ligados a esses grupos e milícias.

A execução de Marielle engrossa as estatísticas de homicídios cometidos contra negros no Brasil (segundo o Atlas da Violência de 2017, de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras; um negro é morto a cada 23 minutos). Corpos negros são tomados como corpos matáveis.

Ela também aumenta a longa lista de assassinatos e execuções de lideranças políticas populares e de esquerda no país, que só no campo aumentou em 20% no ano de 2016. O extermínio físico de ativistas e lideranças de esquerda se torna cada vez mais um dispositivo do aparato repressivo.

Penso que a execução brutal de Marielle tem um significado muito maior do que um número a mais nas estatísticas sinistras. Marielle era uma ativista pelos direitos humanos que denunciava os abusos policiais no Rio de Janeiro. Conhecedora da realidade das favelas e da atuação policial, ela já vinha mostrando como a intervenção militar havia aumentado a violência e a arrogância da atuação da PM, como no caso da revista das mochilas das crianças pela polícia e na identificação de moradores, fotografados compulsoriamente pelas “forças da ordem”. Suas denúncias mostravam a cada dia o fracasso da intervenção.

Para especialistas em segurança pública, o Rio de Janeiro tem hoje três grandes forças que se usam da violência e das armas para impor seu poder e influência: as facções do narcotráfico, as milícias formadas por policiais que atuam fora do quadro institucional e as instituições policiais que atuam, ou deveriam atual, de acordo com o que o Estado e as leis determinam. No entanto, cada vez mais fica muito difícil não pensar que tudo isso constitui um mesmo sistema. A corrupção policial, as milícias, os “maus policiais” não são uma excrecência da instituição. Uma das denúncias da Marielle era justamente sobre a violência da polícia em sua atuação pública e institucional também, aquela que fala em nome do Estado O quadro se agrava com a presença da intervenção militar, que institui um quase Estado de sítio informal, com a presença ostensiva dos militares, as revistas de todos os moradores, incluindo crianças, e as tentativas de legitimar o mandado coletivode busca, defendido pelo ministro Raul Jungmann – que obviamente jamais aconteceria no Leblon ou em Ipanema.

Ouvi comentaristas hoje afirmando que a intervenção militar no Rio deverá, com o tempo, conter ações como essa que matou Marielle e enquadrar os “maus policiais”. Marielle foi uma analista muito mais precisa e certeira: a intervenção militar do ilegítimo Temer aumentou a violência a que é submetida a população preta e pobre – ou seja, ela não é a solução para o problema da violência no Rio, ela acaba fazendo parte do problema. Buscando conquistar alguma legitimidade que não tem, Temer buscou com a intervenção mudar a pauta do país para a questão da segurança pública, uma máscara para um processo rápido de militarização do golpe e concomitante passe livre para a polícia agir fora dos “protocolos”, principalmente as polícias militares, e a um endurecimento, cujo alvo é sempre o povo pobre e preto da periferia.

Marielle e Anderson foram vítimas de uma violência fria, calculada, brutal e ao que tudo indica cometida por alguém perito, treinado, no uso de armas de fogo.

Precisamos gritar sua morte, do mesmo modo como ela nos chamava a gritar contra o racismo, o machismo, a homofobia, contra a violência policial, contra a intervenção militar e contra o golpe. Se não prolongarmos sua voz, gritando juntos contra o Estado policial em que o Brasil está rapidamente se tornando, nesta segunda fase do golpe inaugurada com a intervenção militar, haverá outras, muitas outras, Marielles.

“Avante, vamos mover as estruturas… De fato a gente não faz nada sozinho”, disse ela em sua última fala pública na Roda de Conversa Mulheres negras movendo estruturas, antes de citar Audre Lorde, feminista caribenho-americana, negra, lésbica: “não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes delas sejam diferentes das minhas! Vamo que vamo ocupa tudo!”

Desacato


Brasil é denunciado no Conselho de Direitos Humanos da ONU

Um grupo de mais de 20 ONGs, brasileiras e internacionais, denunciaram hoje, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o desmonte dos direitos humanos promovido pelo governo Governo Temer. Também denunciaram a indiferença do Poder Judiciário quanto ao Golpe Institucional no Brasil, além da perseguição contra Lula, com o intuito de barrar sua candidatura para as eleições de 2018.

O desmonte da sistema de proteção de direitos humanos denunciado inclui o fechamento do Ministério de Direitos Humanos, ataques a povos indígenas e a onda conservadora que ataca a comunidade LGBTI, artistas e intelectuais. Ainda segundo a denúncia Emenda Constitucional 95 e a reforma trabalhista violam as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.

As ONGs também denunciaram a série de violações do devido processo legal contra Lula, o candidato da oposição mais cotado nas prévias das eleições de outubro de 2018. As violações denunciadas incluem disseminação ilegal de conversas telefônicas de Lula e a então presidenta Dilma Rousseff, gravações ilegais de conversas telefônicas dos advogados de Lula e a apreensão ilegal de seu passaporte e a rejeição pelo judiciário de vários pedidos dos advogados de Lula essenciais para a sua defesa.

A intervenção federal, com caráter eminentemente militar, além de ter sido criticada pelo próprio Alto Comissário para os Direitos Humanos da ONU e pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, foi mais uma vez denunciada na plenária do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O Brasil, como membro do Conselho de Direitos Humanos até o ano de 2019, tem o dever de manter o mais alto padrão de proteção de direitos humanos, para justificar o privilégio de ser membro, inclusive com poder de voto no Conselho. A situação de direitos humanos internamente, contudo, é bem abaixo de um padrão mínimo exigido para ser membro do principal órgão de direitos humanos da ONU.

As organizações que denunciaram a grave situação institucional no Brasil também lembraram que a comunidade internacional teve um papel indispensável na redemocratização do Brasil na década de 1980 e agora deve redobrar a atenção sobre o Brasil para prevenir o agravamento da crise no Brasil e garantir o retorno a normalidade institucional.

As organizações Centre Europe Tiers-Monde (CETIM), FIAN International, IADL, Transnational Insititute, CSI, and Friends of the Earth propuseram a intervenção oral no Conselho de Direitos Humanos, apoiadas pelas seguintes organizações:

Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES)
African Women United Against Destructive Resource Extraction (WoMin) – Johannesburg, South Africa
Alternative Information & Development Centre (AIDC) – Cape Town, South Africa
Associação Brasileira de Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexo (ABGLT)
Centre for Natural Resource Governance (CNRG) – Harare, Zimbabwe
FESPAD – El Salvador
FIAN Brasil
HOMA- Centro de direitos humanos e empresas
IndustriALL – Global Union
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
International Trade Union Confederation (CSI)
Justiça Global
Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragem (MAB)
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
PAPDA Haïti
Peoples Dialogue Africa and Latin America Network
Plataforma Internacional contra la Impunidad
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (SINFRAJUPE)
Terra de Direitos
Trust for Community Outreach and Education (TCOE) – Cape Town, South Africa

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