A educação superior em um mundo globalizado – Por Matías Caciabue

675

Por Matías Caciabue *

Há dois meses atrás, houve a Terceira Conferência Regional de Educação Superior (CRES 2018) na cidade argentina de Córdoba, um mega evento inspirado no centenário do movimento da Reforma Universitária no país anfitrião, e promovido pelo Instituto de Educação Superior da América Latina e do Caribe (IESALC), um organismo regional da UNESCO que tem o objetivo de refletir e discutir cada 10 anos qual é a visão da educação superior que rege no continente.

Esta terceira edição serviu, centralmente, para validar os consensos construídos nas Conferências anteriores, em Havana (Cuba, 1996) e Cartagena (Colômbia, 2008). Em seu documento final, a CRES de Córdoba “reafirma o conceito de Educação Superior como um bem público social, um direito humano e universal, e um dever dos Estados”, e defende que “o acesso, o uso e a democratização do conhecimento é um bem social, coletivo e estratégico, essencial para poder garantir os direitos humanos básicos e imprescindíveis para o bem-estar dos nossos povos, a construção de uma cidadania plena, a emancipação social e a integração regional solidária latino-americana e caribenha”.

A CRES de Córdoba reforçou uma grande definição: a universidade latino-americana não está disposta a implementar os consensos neoliberais sobre a educação superior. Isso significou referendar a posição tomada há exatamente 10 anos atrás, quando o processo de integração regional transitava um momento de maior fortaleza.

O neoliberalismo é a expressão cultural mais acabada de uma nova fase do capitalismo, marcada pelo domínio de uma oligarquia financeira global. Para dizer com números: em 2017, o 1 % da população mundial se apropriou do 82% da riqueza socialmente produzida em escala planetária.

Este segmento populacional, que constitui uma classe capitalista de alcance transnacional, tem como base principal de sua acumulação o processo de apropriação, controle e utilização do conhecimento estratégico. Surpreende, então, o olhar acrítico sobre a globalização que impera nos documentos da CRES, um evento que supõe centrais as reflexões sobre a produção do conhecimento nas sociedades latino-americanas.

Nesse sentido, e diante de uma reflexão que deve transcender a CRES, nos planteamos enunciar uma série de pontos para a reflexão e o debate sobre o que a globalização significa para os nossos sistemas de educação superior nestes tempos, com a nova fase do sistema capitalista imperante a nível mundial:

– Perda da soberania estatal. Estamos assistindo uma mudança na configuração de territorialidade, vinculada ao processo de financeirização do sistema econômico. As grandes corporações determinando onde e como investir, o que subordina os poderes políticos estatais ao lobby empresarial e à pressão na hora de determinar suas políticas educativas internas.

– Sistemas educativos empurrados à obsolescência. As universidades públicas sofrem com um processo de desfinanciamento, ou com um financiamento sujeito aos interesses das grandes corporações ou ao “financiamento internacional”. Sistemas de educação em plataformas virtuais, que “formam sujeitos à medida” das necessidades pontuais do capital, que adotam de forma acrítica conceitos como o da educação à distância, e que promovem a pauperização do trabalho docente, transferem a formação e a investigação científico-tecnológica da esfera público-estatal à privada-supranacional.

– Desinstitucionalização e centralização educativa. As empresas formam os seus próprios trabalhadores de forma direta, sem necessidade de títulos universitários ou pós-graduações. Se necessitam pós-graduação, as únicas opções que valem são aquelas emitidas por seus “núcleos centrais”, principalmente no atlántico norte (Harvard, Chicago, Londres, etc).

– Virtualização da vida cotidiana. As redes virtuais e as plataformas digitais são a nova forma de mediar e organizar as relações sociais, reconfigurando as formas de consumo, o reconhecimento social, os processos de educação, e até as atuações políticas coletivas (militantes de causas, não de projetos políticos). Isso expõe o marco estrutural da evidente crise no sistema de representação político institucional, e a montagem de uma ficcional “democracia global de mercado”. O capitalismo transnacionalizado empurra a construção de uma pequena burguesia “ilustrada” cada vez mais atomizada e desvinculada de suas realidades concretas (“classe média global”).

– Os trabalhadores do conhecimento. Tendencialmente começam a ter um papel fundamental como criadores de riqueza. As transformações neste âmbito estão ligadas à base material das novas tecnologias da informação e a comunicação. Cada vez são mais os contratistas e empregados que trabalham de forma remota. A venda dos nossos conhecimentos, dos nossos serviços, dos nossos dados, de nossa força de trabalho, é cada vez mais internacional.

Sabemos que 2018 não é 2008. A validação na CRES dos acordos sobre educação superior elaborados em outro momento político regional fala da situação de “empate” que as forças populares têm em sua disputa com as fortalecidas forças da reação.

A disputa existe. O observatório colombiano de universidades, de evidente viés pró-mercado, lamentava a oportunidade perdida na CRES 2018: “mais silêncios que aplausos, e nenhuma ovação após a leitura da Declaração de Córdoba, que não apresenta nenhum desafio nem proposta nova ou substancialmente diferente das planteadas na Conferência de 2008, em Cartagena. A situação política e fiscal da universidade pública na Argentina opacou a realidade de outros países, incluindo o caso colombiano, no qual os reitores presentes concluíram que, apesar das dificuldades vividas pelo país, já superou a algum tempo a questão da excessiva ideologização política e se estabeleceu em aspectos mais técnicos e de qualidade”.

Os ataques à educação por parte dos governos neoliberais começam pelos aspectos salarial e orçamentário, mas terminam na construção de um modelo de educação sintonizado com as novas necessidades e requerimentos do capitalismo globalizado. Este é o horizonte conceptual da preocupante situação que o sistema de educação superior pública atravessa na Argentina, por exemplo.

Universalizar a luta e o conhecimento são os objetivos centrais. Logo, a ampliação do debate e a articulação das forças populares são as tarefas urgentes que necessitamos realizar para transformar positivamente a educação superior, se a entendemos como ferramenta de liberação dos nossos povos.

* licenciado em Ciência Política (UNRC), estudante da especialização em Pensamento Nacional e Latino-Americano (UNLa) e redator-investigador argentino do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Más notas sobre el tema