Migrantes venezuelanos: uma realidade manipulada para justificar uma intervenção estrangeira – Por Victoria Korn

767

Por Victoria Korn *

Há meses, mas sobretudo nas últimas duas semanas, a Venezuela tem sido vítima de uma poderosa campanha propagandística voltada a impor a narrativa de que há uma “crise de refugiados”, resultante de uma migração que vai em aumento, para tentar justificar uma intervenção “humanitária”.

Pós-verdades, fotos trucadas, migrantes mostrados como numa publicidade da Benettton, fake news que fazem parte deste arsenal de manipulações, nesta guerra de quinta geração alimentada principalmente pelos governos neoliberais latino-americanos, mas também pelos europeus e pelo terrorismo midiático cartelizado.

A realidade mostra milhares de venezuelanos à deriva em outros países (Peru, Brasil, Colômbia, Argentina, Uruguai e Equador), querendo se inscreve no plano Retorno à Pátria, lançado pelo governo de Caracas, que solicitou ajuda aos países da região e ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para facilitar o retorno desses compatriotas – e algumas centenas já o fizeram.

Organismos multilaterais como a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional de Migrações (OIM) divulgaram paralelamente informes que desmontam o relato da “crise humanitária”. Em junho, a ACNUR, mostrou que somente 5,6 mil venezuelanos (menos de 1% dos habitantes do país) haviam sido reconhecidos como “refugiados” pelos principais países receptores da região.

Em agosto de 2018, a OIM publicou um informe sobre os vistos para venezuelanos entre 2015 e 2018, dizendo que houve 600 mil solicitações temporárias e outros mecanismos de regularização que foram apresentados pelos venezuelanos nos países receptores da América Latina e do Caribe nesse período. A OIM e a ACNUR, afirmam que a migração é impulsada por fatores econômicos, o que nada tem a ver com a condição de “refugiados” que se tenta projetar ao mundo.

A cifra de imigrantes venezuelanos (entre 1,5 e 2,3 milhões, aproximadamente), calculada inicialmente, poderia ser menor, de acordo a esses informes de organismo multilaterais. Há uma evidente manipulação dos números, que busca criar uma razão política para um cenário de intervenção internacional no país. A OIM defende que o centro da gestão sobre o tema migratório seja a regularização dos venezuelanos que buscam consolidar seu status de permanência nos países receptores, e não promove a instalação de “campos de refugiados”.

A OIM foi mais específica com o caso da Colômbia, exigiu que o país regularize os venezuelanos que emigraram recentemente, e que não crie campos de refugiados para atendê-los – como os meios de comunicação colombianos e os porta-vozes do governo de Iván Duque asseguram que pretendem fazer, para reforçar o relato de que essas pessoas estão fugindo de alguma perseguição governamental e que se trata de uma “crise humanitária”.

Enquanto isso, o governo venezuelano fazia um acordo com Jorge Baca, representante da OIM, sobre os recursos técnicos necessários para resguardar os direitos humanos dos migrantes, sob um marco de respeito à institucionalidade venezuelana.

Terrorismo midiático e o Grupo de Lima

Por exemplo, a revista The Economist, representante da oligarquia financeira britânica, com base em projeções, assegura que a “crise migratória” venezuelana poderia superar a da Síria, um país que ainda sofre os efeitos de uma guerra mercenária e terrorista financiada pelos Estados Unidos e pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Esse relato serviu como argumento para a campanha usada pela direita internacional e pelo setor radical da oposição venezuelana, teleguiada, instrumentalizada e financiada por Washington, Bogotá e Madrid, alcançando um alto nível de cartelização, e que defende o conceito da “crise de refugiados” como a única forma de definir o fenômeno da migração venezuelana.

Três dias depois, o senador ultraconservador estadunidense Marco Rubio – apesar da forte queda que vem percebendo em sua credibilidade, dentro do seu país, – afirmou que a Venezuela é uma “ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos”. O mesmo discurso foi usado pelos altos funcionários da área da defesa e da segurança, como James Mattis, John Bolton e Kurt Tidd, em suas viagens à América Latina, na mesma linha do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o diplomata uruguaio Luis Almagro, que decidiu convocar uma nova sessão do Conselho Permanente da organização pan-americana para debater as novas ações a serem tomadas contra o governo de Maduro. Também houve uma “reunião técnica”, realizada no começo desta semana, em Quito, com representantes dos países agrupados no Grupo de Lima (GL), que passou praticamente desapercebida.

“Nesses países há dezenas de milhões de pessoas passando fome, sofrendo com o analfabetismo, e que também são forçadas a emigrar, pois também são vítimas da crise da saúde pública, com jovens sem educação nem trabalho digno, que carecem de qualquer esperança, que enfrentam os flagelos agravados escandalosamente pelo modelo neoliberal. Mas isso não preocupa a OEA nem os governos do GL”, ironiza o jornalista Ángel Cabrera, em artigo para o diário mexicano La Jornada.

Não se pode esquecer que a Venezuela é considerada “uma ameaça extraordinária e inusual à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos”, situação que foi formalizada por um decreto emitido pelo ex-presidente Barack Obama, e ratificado por Donald Trump.

A reunião foi mais um passo na agenda da guerra híbrida contra a Venezuela, desenhada pelo Comando Sul estadunidense, que se desdobra em diferentes planos, como o “Venezuela Freedom I”, o “Venezuela Freedom II” e o chamado “ Golpe de Mestre”. Esse aparato militar pretende avançar com a militarização estadunidense na América Latina e no Caribe com a finalidade de controlar os países e seus recursos naturais, e possibilitar a intervenção armada, direta ou camuflada, quando necessário.

O Grupo de Lima se transformou no braço político do Comando Sul e é cúmplice da agressão militar que se organiza contra a Venezuela. Não é nenhum segredo que o grande interesse do presidente Donald Trump em realizar una intervenção direta no país caribenho é uma ideia da qual ele tem sido dissuadido pelos mais altos chefes militares estadunidenses, que temem o alto custo político e o extraordinário esforço militar que isso poderia requerer.

Os radicais da oposição venezuelana, acreditando que sua melhor oportunidade está na intervenção estrangeira, insistem na campanha: os ex-prefeitos e prófugos da Justiça, como David Smolansky e Antonio Ledesma, além de figuras como Gaby Arellano, María Corina Machado e Julio Borges são os mais destacados ícones desse clamor.

Várias organizações financiadas por Washington tentam reforçar o coro, como fez a Human Rights Watch (que também é uma das patrocinadas), com um comunicado no dia 3 de setembro, dizendo que “urge uma resposta regional diante de uma crise migratória sem precedentes”, para logo convocar os países da região a atender a “crise de refugiados venezuelanos”, com o objetivo de permitir a permanência e a atenção necessária que justifique um desembolso maior por parte dos organismos multilaterais encarregados de administrar os temas migratórios.

“Esta foi uma experiência dolorosa, mas de aprendizagem. Aprendemos realmente o que é o capitalismo, o que é a manipulação dos meios. Hoje, eu e minha família regressamos a Los Teques, e gostaríamos de narrar o que vivemos: o racismo, o desprezo, a xenofobia, a falta de solidariedade e de oportunidades que enfrentamos durante três meses. Estamos felizes por estar em casa de novo”, dizia Yudelysi Moró, uma trabalhadora venezuelana que voltou da Argentina.

* Victoria Korn é jornalista venezuelana associada ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Más notas sobre el tema