Segurança e defesa na Era Macri: lobo solto, cordeiro atado – Por María Paula Giménez e Matías Caciabue

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Por María Paula Giménez e Matías Caciabue*

O golpe brando contra Dilma Rousseff no Brasil e a vitória eleitoral da coalizão Cambiemos (“Mudemos”) na Argentina, que levou Mauricio Macri à Casa Rosada, produziram uma reconfiguração da geopolítica a favor da ofensiva estratégica neoconservadora (Trump, FMI, Pentágono) que, no contexto da disputa global, não estão dispostos a ceder nem um metro dos territórios controlados, entre eles a América Latina e o Caribe.

Os neoconservadores, fortalecidos com a chegada de Trump à Casa Branca, não duvidaram em avançar para implementar o “Plano América do Sul”. Fiel ao estilo do “Plano Colômbia”, este programa pretende aumentar a interferência norte-americana através do intervencionismo econômico, político e militar.

A Estratégia de Defesa Nacional 2018, assinada pelo Secretário de Defesa dos Estados Unidos e chefe do Pentágono, James Mattis, afirma a necessidade de “sustentar as vantagens no hemisfério”. Por sua vez, no último documento estratégico do Comando Sul, estão expostos os principais desafios à “segurança”, entre os quais se destacam a preocupação por uma maior presença da China, da Rússia e do Irã na América Latina.

Esta situação se agudiza com o resultado das eleições no Brasil. Com 46% dos votos no primeiro turno – mais de 15 pontos percentuais de diferença com o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad –, Jair Bolsonaro, ex-militar e fiel representante dos interesses neoconservadores, favorece muito a realização desses interesses, gerando uma complexa situação que coloca em perigo a paz no território. O segundo turno eleitoral será crucial e definirá o futuro de toda a região.

Num cenário de aprofundamento da crise capitalista, a América Latina se torna ainda mais importante. Zonas marítimas, recursos naturais e uma localização chave na circulação de mercadorias no mundo são fatores que fazem com que o controle deste território se transforme em “assunto estratégico”.

Argentina: a chave para fechar o cerco

O conceito de “guerra híbrida” expressa uma mudança na situação estratégica global, que se observa na emergência de novos blocos ou polos de poder, com ambições globais e com um sistema econômico, de infraestrutura, de inteligência e militar que outorgam capacidade de disputar espaço no tabuleiro mundial.

Isso faz com que as forças unipolares (neoconservadores e globalistas) tenham que mudar sua estratégia de controle, diversificando os tipos de agressão através da combinação de forças irregulares (ou milícias), forças regulares encobertas e agressões cibernética.

Os acordos assinados em Buenos Aires durante a visita do ex-presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, em março de 2016, criaram um precedente na incorporação desta forma de guerra em nosso território.

Com a luta contra o narcotráfico e o terrorismo como eixo (sem diferenciar segurança e defesa), Macri e Obama consolidaram um acordo de assistência na tríplice fronteira, missões militares na África, asilo aos sírios que fogem dos bombardeios, centros de fusão de inteligência, defesa hemisférica, forças de segurança no Comando Sul, cooperação nuclear e abertura comercial irrestrita. Também foi oficializada a incorporação da Argentina como sócio “extraoficial” da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Posteriormente, na visita de Macri a Donald Trump, depois da posse do estadunidense como presidente dos Estados unidos, ambos os mandatários assinaram uma declaração conjunta de cooperação em matéria de política cibernética, assim como um compromisso para combater o narcotráfico, a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e a corrupção, além de um consenso sobre a preocupação de ambos os governos pela “grave situação” da Venezuela.

Com a concreção destes acordos, junto com a instalação das bases militares na América Central, no Caribe, na Colômbia, Peru, Chile, Paraguai e a base militar da OTAN nas Ilhas Malvinas, os neoconservadores conseguirão fechar o cerco de dominação de todo o território latino-americano e caribenho, assim como também o antártico.

Quem vai pagar o pato?

Na Argentina, há fatos que dão um indício claro da inclinação do governo macrista a favor de um plano de militarização dos territórios geopoliticamente estratégicos, e o controle repressivo dos protestos sociais.

O marco de justificação para impulsar esse plano está centrado na luta (internacional) contra o narcotráfico, o terrorismo e a corrupção. Por isso as declarações da ministra de Segurança, Patricia Bullrich, já não causam mais polêmica. Com sua necessidade de criminalizar a crescente indignação social, ela disse recentemente, que “os movimentos sociais permitiram o narcotráfico – a droga nos bairros – como um mal menor”.

Bullrich, estigmatizando os setores sociais vulneráveis, afirmou que não se deve distinguir entre os diferentes degraus da cadeia narco, e que é preciso “pegar todos eles, os de cima e os de baixo”, sem reconhecer o efeito da realidade econômica e da pobreza crescente: “não tem nada a ver”, segundo ela.

A luta contra o narcotráfico também ajuda a tirar o foco de um problema geopolítico central da Argentina: a ocupação imperialista das Ilhas Malvinas e o controle soberano dos territórios e das riquezas naturais da Antártida e do Atlântico Sul. Desde a chegada de Macri ao governo, parece que o único problema geoestratégico argentino está nas “fronteiras norte”, com a Bolívia (lítio? Evo Morales?), o Brasil e o Paraguai (rios Paraná e Prata?).

Repassemos alguns acontecimentos:

Na agenda de qualquer país que queira contar com o apoio da comunidade internacional aparece a luta contra o narcotráfico como um dos principais “motivos” para conseguir esse “apoio”. Esta tem sua expressão na Argentina através do Plano “Argentina sem narcotráfico”, que planteia “designar mais juízes para atender delitos federais, reforçar a presença da Polícia Federal em todo o país, aprofundar os controles nas fronteiras, potenciar os programas de segurança urbana e atacar o comércio pequeno”.

Além disso, também existe uma de exceção aprovada por decreto em 2016, que faculta às Forças Armadas o trabalho de identificar, advertir, intimidar e fazer uso da força no espaço aéreo argentino.

Leis desse tipo já foram sancionadas no Brasil, Bolívia, Colômbia, Chile, Honduras, Peru, Paraguai, Uruguai e Venezuela. O Uruguai é o único desses países que anunciou a decisão de não derribar aviões suspeitos.

Na mesma linha, no mês de julho deste ano, o presidente Mauricio Macri modificou o decreto 727/06, que proibia o uso das Forças Armadas em tarefas de segurança interior. As Forças Armadas cumprirão agora um novo rol, dando ênfase na luta contra o narcotráfico e o terrorismo. A medida significa a realização de ações entre as forças policiais de segurança interior e forças militares. Além de visar o combate de um delito complexo como é o narcotráfico e o crime organizado, também coloca na mira a associação ilícita qualificada e até uma hipotética “associação ilícita terrorista”, que poderia justificar um endurecimento das ações contra as organizações e movimentos populares.

Em agosto de 2018, o governo enviou um projeto de lei ao Senado para autorizar as Forças Armadas a realizar operações militares conjuntas com forças estrangeiras, tanto no interior do país como fora da fronteira. O projeto pede autorização para a entrada de tropas de ao menos 19 países, para um máximo de 12 operações aéreas e marítimas, que teriam lugar em território ou águas marítimas nacionais.

Em setembro deste ano, o ministério de segurança tornou pública a detenção de um “suposto membro do Hezbollah” na tríplice fronteira. Embora ainda não esteja comprovada a identidade do detido, a notícia justificou o gasto e as reformas realizadas pelo governo no setor de segurança nas fronteiras, ao mesmo tempo em que reforçou a hipótese de que o país não pode nem deve estar ausente da luta contra o terrorismo e o narcotráfico, que tem sido a justificativa de épicas invasões a países como Iraque, Síria, Líbia e Colômbia, entre outros vários, e todos possuidores de riquezas naturais.

No terreno da batalha contra a corrupção, o processo de judicialização da política (lawfare), atua como instrumento de criminalização de quadros “desobedientes” dos interesses econômicos. Causas judiciais (muitas vezes fictícias) são criadas e irradiadas milhões de vezes através de plataformas digitais e virtuais, controladas pelas corporações de comunicação e pelas redes. O caso Lula da Silva no Brasil e de Cristina Fernández de Kirchner na Argentina são exemplos disso.

A intervenção nos sindicatos, a intimidação dentro das universidades, a presença de força policial nas estradas e fronteiras, a repressão das manifestações em todo o território nacional, fazendo uso do protocolo anti protestos, foram construindo a imposição de um progressivo “estado policial”, para produzir um efeito de “disciplinamento” social.

A expressão mais extrema disso foi a desaparição física de Santiago Maldonado, em agosto de 2017, em meio à luta do povo mapuche por recuperar seus territórios que estão nas mãos da empresa Benetton. A categoria de terroristas e separatistas, atribuída a este povo pela mídia aliada, permite justificar também outros assassinatos por parte da polícia, como o de Rafael Nahuel, outro jovem que pertencia à comunidade e que participava de uma manifestação.

Os já três anos de detenção e perseguição judicial da dirigente popular Milagro Sala e a recente prisão de um dos líderes da CTEP (Confederação de Trabalhadores da Economia Popular) Juan Grabois, numa manifestação contra a arbitrariedade do uso da força policial, são alguns exemplos.

Lobo solto, cordeiro atado?

Em menos de vinte anos de começado este Século XXI, a América Latina foi tratada como um rebanho domesticável, encerrada primeiro num corralito financeiro (curralinho, em trocadilho que remete ao limite de saques que a Argentina sofreu em 2001, mas também ao sentido figurado da palavra), e agora num corralito militar – além do corralito midiático, no qual já vivemos há tempos.

Diante dessa situação ameaçadora, é necessário instalar no debate, na agenda política, na luta social, e nas ações programáticas, que a América Latina é um “território de paz”. Além da ocupação “multidimensional” (psicológica, judicial, econômica, militar) é preciso responder com a ocupação social e políticas organizadas, com carácter multi setorial e coletivo, a favor do conjunto dos interesses do povo.

(*) María Paula Giménez e Matías Caciabue são investigadores argentinos do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli  

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