Xadrez de Ronaldinho, Sérgio Moro e as conexões com a indústria da contravenção

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Luis Nasif-UOL

O caso Ronaldinho expõe um dos esquemas mais barra-pesadas da infiltração do crime organizado na administração pública.

Não imagine que o Ministro da Justiça Sérgio Moro foi até o Paraguai meramente por seu deslumbramento de ser amigo das estrelas, para dar apoio a um ídolo nacional, embaixador honorário do Turismo de Jair Bolsonaro. Alegou-se que iria retribuir uma reuniao ocorrida com a Secretaria de Administração Penitenciária do Paraguai. Mas a reação do próprio promotor do caso Ronaldinho, reafirmando a independência do MInistério Público local, mostra que havia pressão na visita.

Vamos por partes para você entender melhor esse jogo.

Peça 1 – o fator Alberto Yousseff

Desde o caso Banestado, o doleiro Alberto Yousseff se tornou peça central em todas as investigações críticas de Sérgio Moro.

Por várias vezes foi beneficiado com a delação premiada, voltou a operar no mercado, sendo beneficiado novamente, atropelando todos os princípios que regem o instituto da delação. Que é anulada e os benefícios concedidos cancelados, quando comprovado que o delator voltou a delinquir.

Em 2016, depois de ter se validado das delações de Yousseff para fazer deslanchar a Lava Jato, o implacável Moro o autorizou a cumprir pena em casa.

Logo depois, o delegado da Polícia Federal Mário Fanton apurou que, solto por Moro, Youssef voltou a operar no mercado. Imediatamente, Fanton foi alvo de retaliações barras-pesadas pelo grupo da PF do Paraná, sob o comando de Sérgio Moro, conforme reportagens exemplares do repórter Marcelo Auler. Esse mesmo comportamento criminoso foi utilizado contra o advogado Pedro Serrano, quando solicitou documentos que comprovariam manipulação de provas pela Lava Jato. Trata-se de um modo de operação similar ao das organizações investigadas por eles.

Conforme apurou a repórter Cintia Alves em 2016,:

Por insurgir-se contra a Lava Jato, Fanton é processado por calúnia e injúria contra seus colegas, em ação movida pelo Ministério Público Federal. Em agosto de 2015, o Estadão publicou: “O delegado Fanton e o agente federal Dalmey Fernando Werlang [que também colaborou com a CPI] foram denunciados criminalmente à Justiça Federal pelo procurador Daniel Holzmann Coimbra, do Grupo de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria.” Fanton teria atacado a honra de ao menos seis delegados da Lava Jato.

Na imprensa, circulou a versão de que Fanton e outros agentes seriam “dissidentes da PF”, possivelmente contratados pelas empreiteiras investigada na Lava Jato para achar uma maneira de comprometer as provas colhidas e anular parte da operação.

Fanton foi mandado para a Sibéria da PF, aposentado e não se falou mais nessa estranha simbiose entre um juiz símbolo da luta anticorrupção e um doleiro, permanentemente beneficiado pelas decisões do juiz e as represálias contra o delegado que ousou investigar a volta do doleiro à atividade ilícita.

Peça 2 – o elo Nelson Belotti

Conforme suas próprias declarações, Ronaldinho foi ao Paraguai a convite do empresário carioca Nelson Belotti, figura carimbada dos salões do Rio de Janeiro, que passou a investir no ramo de cassinos no Paraguai. E também com a empresária paraguaia Délia Lopes.

Sobre Délia já escrevemos aqui. Há todos os indícios de trabalhar com lavagem de dinheiro, valendo-se de holdings fantasmas e ONGs beneficentes.

Mas o elo central da história é o empresário Nelson Belotti. A história de Belotti permite encaixar duas peças no nosso xadrez do crime organizado.

Envolvimento com Yousseff

A principal empresa para as operações de Yousseff era a holding CSA Project Finance e Intermediação de Negócios Empresariais Ltda. Seu papel era identificar grandes jogadas em contratos públicos e oferecer para investidores. Os sócios principais eram o deputado federal José Janene, com a participação de Yousseff e, em algumas operações, de Nelson Belotti.

Assim como Carlinhos Cachoeira, Yousseff especializou-se em grandes tacadas de corrupção, que entravam como valor agregado nos seus serviços de consultoria de lavagem de dinheiro.

Nos parágrafos 86 a 88 da ação penal envolvendo o grupo CSA e o ex-deputado José Janene, lê-se:

  1. O quadro social da CSA era composto por Rubens de Andrade Filho e Carlos Alberto Pereira da Costa (inquérito 2006.7000018662-0, cópia no evento 3, anexo 131, fls. 63-70). Rubens de Andrade Filho assinou o memorando de entendimento pela CSA, enquanto Carlos Alberto assinou o documento como testemunha.
  2. Os investimentos realizados pela CSA encontram-se retratados em demonstrativo entitulado “CSA-Dunel” que foi enviado por mensagem eletrônica de Carlos Alberto Pereira da Costa para Rubens de Andrade Filho em 20/12/2010 (inquérito 2006.7000018662-0, cópia no evento 3, anexo 141, fls. 21-23 do arquivo eletrônico), totalizando R$ 1.165.600,08. 88.

Apesar de José Janene não figurar no quadro social da CSA, nem no memorando de entendimento, a instrução revelou que o capital em questão era de sua titularidade.

Ou na própria delação de Yousseff homologada por Teori Zavascki.

Atuação com energia e termoeletricidade

A CSA operava assim desde os anos 2000 e tinha como sócios dois ex-funcionários da Petrobras, engenheiros Marco Antonio Vaz Capute e Valter Luís Macedo de Carvalhaes Pinheiro fizeram carreira na Petrobrás. Capute foi por nove anos diretor na BR Distribuidora e Pinheiro, seu subordinado. Provavelmente seu papel aí era o conhecimento técnico para identificar as boas oportunidades.

A CSA participou igualmente da tentativa de adquirir energia excedente do Paraguai, no escândalo caso Itaipu, que está abafado.

Portanto, tem-se outro modo de operação nítido:

  • Montar uma holding de participações;
  • Contratar um especialistas em energia, de preferências dos quadros da Petrobras (aliás, Belotti deve ter parentesco com Paulo Belotti, braço direito de Ernesto Geisel para a Petrobras, e um dos superburocratas do seu tempo).
  • Montar projeto tendo a Petrobras como sócia minoritária
  • Identificar interessados e vender o projeto, acompanhado do know how de lavagem de dinheiro de Yousseff.

Peça 3 – o modo de operação de Flávio Bolsonaro

Na viagem ao Paraguai, não se iludam sobre qualquer deferência especial de Sérgio Moro a um craque fã de Bolsonaro e embaixador emérito do Brasil.

Vamos aos indícios colhidos até agora e aos dados expostos para um elemento a mais na indústria do crime organizado e o poder.

  1. A operação Ronaldinho tem todos os indícios de lavagem de dinheiro.
  2. Ronaldinho foi indicado por Bolsonaro embaixador emérito do Brasil.
  3. O Paraguai se tornou parceiro preferencial dos negócios obscuros, como ficou claro na tentativa de compra da energia excedente de Itaipu por grupos de lixo ligados a Bolsonaro e intervenção direta do Ministro das Relações Exteriores.
  4. Na ponta paraguaia, o empresário brasileiro Nelson Belotti, investidor em cassinos e termoelétricas enroladas, duas áreas de estimação da família Bolsonaro.
  5. O grande doleiro de Biondi é Alberto Yousseff. Que é o doleiro preferencial da Lava Jato, já beneficiado por Sergio Moro em três delações premiadas e por voltar a delinquir.

A termoeletricidade

O caso já foi contado aqui no GGN. A Petrobras participa de uma empresa de termoeletricidade na Bahia, a Termobahia. Quando começou a queima de ativos, na gestão Pedro Parente, foi vendido parte do capital para a francesa Total. Agora, se planeja a venda para japoneses.

Flavio Bolsonaro montou então a Kryfs Participações, assim como a CSA com atuação apenas na montagem de negócios e na participação acionária. E trouxe como sócio Alexandre Rodrigues Tavares, funcionário de carreira da Petrobras e presidente do Conselho de Administração.

Reforça a tese?

Os cassinos

Já mostramos amplamente aqui os interesses diretos dos Bolsonaro com a legalização dos jogos no Brasil, o triângulo montado com Donald Trump e o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. E o papel do grande cappo da máfia de Los Angeles, Sheldon Adelson

Aqui, alguns Xadrezes para entender a ligação dos Bolsonaro com a contravenção.

Peça 4 – o império da contravenção

Tenho alertado seguidamente aqui para o avanço da indústria do crime e da contravenção no Brasil e no advento da ultradireita. Os diversos partidos de ultradireita foram financiados, globalmente, pela indústria das armas, do cassino, do lixo, das quais um dos expoentes é justamente Sheldon Adelson.

Uma sucessão de episódios mostra que Moro já foi definitivamente cooptado pelo esquema Bolsonaro:

  • A pressão sobre o porteiro do condomínio de Bolsonaro, valendo-se da Lei de Segurança Nacional para entrar nas investigações com a intenção precípua de desqualificar seu depoimento.
  • A não inclusão do miliciano Adriano da Nóbrega na lista dos procurados pela Polícia.
  • O recuo da Polícia Federal na repressão ao contrabando de armas.
  • E, agora, essa misteriosa e inexplicada viagem ao Paraguai para tratar do caso Ronaldinho.

Faltam algumas peças nesse Xadrez, que aparecerão com o tempo:

  • O papel efetivo de Ronaldinho nesse jogo.
  • As ligações de Ronaldinho com a família Bolsonaro ou afins.
  • As relações concretas entre doleiros e o procurador Januario Paludo, decano da Lava Jato.

De qualquer modo, as informações já disponíveis mostram um país cada vez mais exposto ao pior tipo de corrupção: a que vem do crime organizado e da contravenção.

 


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