A dignidade e a miséria – Por Baltasar Garzón

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Los conceptos vertidos en esta sección no reflejan necesariamente la línea editorial de Nodal. Consideramos importante que se conozcan porque contribuyen a tener una visión integral de la región.

Por Baltasar Garzón*

Ontem, o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, Luís Almagro, declarou que: “O pedido de extradição de Alex Saab em Cabo Verde é uma questão fundamental e chave para o desmantelamento do regime venezuelano”. As palavras do Secretário-Geral da OEA não escondem as suas intenções, uma vez que a sua principal tarefa na região é servir os interesses diplomáticos dos Estados Unidos da América na sua batalha política contra a Venezuela.

As declarações de Almagro não são uma surpresa. Quando os Estados Unidos estão a perder uma batalha contra a Venezuela, põe em aquecimento o Secretário-Geral da OEA para entrar em campo. E a sua chegada ao campo significa que o jogo termina com múltiplos pontapés, cotovelos e lesões de todo o tipo. Almagro tornou-se, desde há muito, no cão de caça dos Estados Unidos na região.

Alex Saab tem sido uma peça chave no Governo da Venezuela para o fornecimento necessário do país. Após o bloqueio económico ilegal e unilateral imposto pelos Estados Unidos à Venezuela, o país foi forçado a estabelecer novas relações económicas com países não sujeitos aos ditames de Washington. E o trabalho de Alex Saab deu frutos, abrindo canais de produtos alimentares, farmacêuticos e outros produtos de primeira necessidade para a Venezuela.

De facto, quando foi ilegalmente detido em Cabo Verde, estava em trânsito, como Enviado Especial, agente diplomático, para o Irão, para negociar linhas de abastecimento alternativas para a Venezuela. Naquela detenção, atualmente submetida a um processo de extradição, não foram respeitados a sua imunidade, inviolabilidade e nenhum elemento de devido processo. Toda a ação se baseou num pedido político extralegal para pôr fim às linhas de abastecimento criadas por Alex Saab, e no seguimento, para que o sistema judicial norte-americano pudesse exercer, como está a fazer neste momento em relação ao de Cabo Verde, toda a pressão sobre ele e fazê-lo vergar, face à ameaça de privação eterna da liberdade, para que preste um testemunho incriminatório contra o atual Presidente da Venezuela.

Alex Saab nada mais é, portanto, do que uma peça num tabuleiro de xadrez diplomático. Um tabuleiro de xadrez em que se joga simplesmente um jogo, “o desmantelamento” do Governo da Venezuela, nas próprias palavras de Almagro.

No entanto, os Estados Unidos nunca pensaram que a África pudesse enfrentá-los. O caso de Alex Saab foi submetido ao Tribunal da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). E o Tribunal da CEDEAO decidiu, em medidas cautelares, a favor de Alex Saab, ordenando a sua libertação da prisão e o seu envio para prisão domiciliária que garanta a proteção dos seus direitos humanos, evitando assim a coação que sofre na prisão, alguma mesma, como ele denunciou, executada por agentes dos Estados Unidos. De facto, o Tribunal da CEDEAO continua a manter o caso “sub iudice” num louvável ato de soberania africana que mostra que a região não aceita ser um vassalo dos Estados Unidos, uma relação de submissão em que se encontra o Secretário-Geral da OEA, Luís Almagro.

Evidentemente, os Estados Unidos não podem dirigir-se à União Africana ou à CEDEAO para que se dirijam à opinião pública para apoiar a sua extradição, suportando assim as suas manobras de interferência política contra a Venezuela E como não consegue encontrar esse apoio nas organizações regionais africanas, defensoras da soberania do seu continente, pôs Luís Almagro em aquecimento para que entre em jogo como de costume, fazendo o trabalho sujo, enlameando o campo com pontapés e cotovelos, e talvez que a justiça cabo-verdiana ceda a essa pressão e acabe rapidamente por enviar Alex Saab para os Estados Unidos.

E fá-lo omitindo o seu papel como Secretário-Geral da OEA, uma organização regional concebida para proteger os direitos humanos, que, manifestamente, não tem em conta que outra organização regional irmã, a CEDEAO, também competente para proteger os direitos humanos, decidiu através do seu Tribunal a favor da liberdade de Alex Saab. Evidentemente, seria de esperar que Almagro, como Secretário-Geral da OEA, saísse para defender a resolução judicial da CEDEAO, organização internacional homóloga aquela que ele lidera, e não saísse a público para omitir um elemento tão relevante como este, simplesmente para defender os interesses políticos dos Estados Unidos. É inacreditável que Almagro não alinhe a OEA com a CEDEAO, que ignore a decisão judicial desta organização africana, e simplesmente vá a público para apostar no “desmantelamento” de um Governo. Embora faça sentido se tivermos em conta quem age com dignidade e independência e quem se submete miseravelmente aos ditames imperiais de um país.

Mas a verdade é que Almagro há muito que deixou de agir guiado pelos interesses da OEA, ou direitos humanos na região da América Latina. Há muito que é o porta-voz dos Estados Unidos, tendo colocado a organização ao serviço dos interesses diplomáticos de um país. Sob o seu Secretariado-Geral, a OEA tornou-se tristemente o braço executor das políticas dos EUA.

Um exemplo disto tem sido a sua intervenção na Bolívia. No final de 2019, destroçou o país com um relatório insano, alegando que Evo Morales tinha cometido fraude eleitoral nas eleições presidenciais de 20 de outubro de 2019. O país entrou em conflito, sendo até cometidos crimes contra a humanidade, como concluiu a Comissão Interamericana dos Direitos do Homem. Embora Evo Morales tenha ganho por 10,57%, e a OEA tenha questionado se ele tinha realmente ganho por mais de 10%, evitando assim a segunda volta, a verdade é que a intervenção da OEA terminou com um pronunciamento militar que enviou Evo Morales para o exílio e deixou o governo boliviano nas mãos de “forasteiros” que não tinham ganho nenhuma eleição. Um ano mais tarde, a 18 de outubro, o candidato do partido de Morales, Luís Arce, ganhou com nada menos que 55,11% dos votos, com o candidato seguinte a ganhar 28,83%, quase 30 pontos atrás. Que credibilidade pode Almagro ter depois disto?

Mas provavelmente o seu papel mais óbvio como braço armado dos Estados Unidos na região tenha sido a sua política contra a Venezuela. Olhou para o outro lado em casos muito graves de violações dos direitos humanos na região, como os motins no Chile, Equador ou Colômbia, pelos quais passou sem demonstrar muito interesse por esses países. No entanto, concentrou a sua atividade obsessivamente na Venezuela, sem qualquer rigor, e submeteu-se exclusivamente aos objetivos de Washington, que são o “desmantelar” do Governo venezuelano, para usar as suas próprias palavras.

Por todas as razões acima referidas, sempre que Almagro sai a público para fazer o trabalho sujo dos Estados Unidos, é bom recordar as sábias palavras de Pepe Mujica, que foi seu colega de partido, presidente do seu país, Uruguai, e referência mundial de honestidade política, numa carta enviada ao próprio Almagro: “Caro Luís […] Todos sabemos que a Venezuela é uma reserva petrolífera para os próximos 300 anos. Aí reside a sua riqueza e o seu infortúnio, porque os Estados Unidos da América são viciados em petróleo e os seus interesses são prementes e como […] Lamento o rumo que tomaste e sei que é irreversível, por isso agora formalmente te digo adeus e despeço-me. Pepe”.

* Advogado

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