Impeachment en Brasil: discurso completo del abogado defensor de Dilma antes de la votación final en el Senado

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Discurso completo do Dr. José Eduardo Cardozo no processo de Impeachment

“Exmo Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Prof. Ricardo Lewandowski, a quem saúdo pela magnífica condução dos trabalhos, pela imparcialidade, pelo descortino permanente ao exercício da sua atividade jurisdicional; Exmo Sr. Presidente do Senado Federal, nobre Senador Renan Calheiros, pessoa que manteve com a Defesa da Presidente e com ela própria uma relação sempre institucional, cordial e respeitosa, a quem agradecemos e saudamos; Exmos Srs. Acusadores, Dr. Hélio Bicudo, com quem convivi tantos anos, quando fomos Secretários, juntos, na equipe de governo da então Prefeita Luiza Erundina, Prof. Miguel Reale Júnior, a quem saúdo, e Drª Janaina Paschoal, a quem também cumprimento; Srªs Senadoras e Srs. Senadores; cidadãos brasileiros, cidadãs brasileiras, cidadãos e cidadãs de todo o mundo que nos assistem neste momento, não é a primeira vez que Dilma Vana Rousseff senta no banco dos réus.

Na época da ditadura militar, Dilma Vana Rousseff sentou no banco dos réus por três vezes, nas auditorias militares de São Paulo, de Minas e do Rio. Qual era a acusação que era dirigida àquela jovem, quase menina? Lutar contra a democracia…

A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco Socialismo e Democracia/PCdoB – AM. Fora do microfone.) – A favor da democracia.

O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO – … lutar a favor da democracia, perdão, e contra a ditadura, lutar pela construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna. Lutar: essa era a acusação que contra ela se dirigia.

Perguntarão os senhores: “Mas era essa a acusação formal?” Não, não era essa a acusação formal. A acusação formal eram pretextos, pretextos que estavam lá na Lei de Segurança Nacional, que estavam em vários dispositivos, e dos quais talvez nem ela própria se lembre e nem a sua própria advogada se lembre, porque eram irrelevantes. A acusação real contra Dilma Rousseff era que ela lutava pela democracia. Essa era a acusação.

Aliás, se me permitirem a sinceridade e a franqueza, para aqueles que acompanharam os processos daquele período – e alguns dos senhores que estão aqui presentes sofreram esses processos –, aquelas acusações eram colocadas não pelos fatos em si, mas se falava do conjunto da obra. Era pelo conjunto da obra que os militantes políticos eram presos, assassinados e torturados. Era pelo conjunto da obra que se puniam a dedo as pessoas que queriam punir, porque precisavam matar a obra.

Dilma Rousseff passou três anos presa, teve seus direitos políticos suspensos, foi brutalmente torturada, foi atingida na sua dignidade de ser humano, e é possível que, naquele momento, alguns dos seus acusadores, tomados de uma crise de sentimentalismo, tenham lhe dito: menina, nós estamos te prendendo e te torturando pelo bem do País. Nós estamos pensando nos seus filhos, nos seus netos. Estamos aniquilando com a sua vida, mas estamos pensando em você, menina. Estamos te destruindo e te arrasando, mas estamos pensando no seu bem. Às vezes, acontece assim com os acusadores. Subitamente têm uma crise de consciência, mas não conseguem com ela eliminar a injustiça do seu golpe. Podem pretender construir uma situação, uma sensação de humanidade, mas não conseguem objetivamente.

Hoje, Dilma Vana Rousseff senta novamente no banco dos réus, após a Constituição de 1988, após a construção democrática, após termos afirmado o Estado de direito. Ela hoje não é mais uma menina, é mãe e avó. Ela hoje é uma mulher que foi eleita Presidente da República Federativa do Brasil por mais de 54 milhões de votos, a primeira mulher eleita Presidente da República do Brasil.

E do que ela é acusada? Hoje nós sabemos, mas talvez daqui a algum tempo ninguém mais se lembre das acusações que são dirigidas a Dilma Rousseff, como se não se lembram hoje das acusações que eram dirigidas contra ela. O que dirão? Ela foi acusada, porque ousou ganhar uma eleição, afrontando interesses daqueles que queriam mudar o rumo do País. Ela foi condenada, porque ousou não impedir que investigações contra a corrupção no Brasil não tivessem continuidade. Os pretextos ficarão nos autos, no pó, no pó do tempo, como ficaram hoje e ficam hoje as acusações formais que foram dirigidas contra Dilma Rousseff no passado. No seu corpo, ficaram as marcas da tortura; na sua alma, ficou a marca da indignidade, mas os pretextos se foram, como os pretextos também irão se ela for condenada.

Talvez hoje, Sr. Presidente, poucas pessoas no Brasil sabem dizer quais são as reais acusações contra Dilma Rousseff. São tão técnicas, tão sofisticadas, tão confusas, que a maior parte da população brasileira não saberá dizer exatamente qual é a acusação.

Afasta-se ou se quer afastar uma Presidente da República, sem que o povo que a elegeu minimamente entenda o crime hediondo que ela teria praticado.

Exatamente, por isso, Sr, Presidente, quero resgatar um pouco os fatos. Resgato os fatos para a compreensão deste processo. Resgato os fatos para que a história registre o que aconteceu. Se alguém tiver dúvida dos fatos verdadeiros, que vá aos jornais, que vá à imprensa, que vá aos Anais da Câmara executados, que leia as defesas.

Este processo, Srªs e Srs. Senadores, começa no minuto seguinte em que Dilma Roussef ganha as eleições presidenciais. É exatamente no minuto seguinte! Uma eleição dura, uma eleição renhida, uma eleição disputada, uma eleição quente, em que talvez os dois lados da disputa tenham agredido mais do que deviam e violentado mais do que deviam os seus adversários, mas uma eleição legítima, em que houve vencedor, ou uma vencedora, e derrotados.

Mas foi no minuto seguinte em que se anunciou o resultado eleitoral que começou o ataque. Primeiro, diziam que o povo vota mal. Vejam os resultados dos mapas eleitorais: é do pessoal que foi comprado pela Bolsa Família! Depois, como esse argumento pegava mal, era politicamente incorreto, nobre Senador Cássio Cunha Lima, mudou-se e falou-se: “Não. Foi uma fraude! Foi uma fraude! Vamos pegar as máquinas eleitorais! Elas forjaram os votos!” Aí pediram uma auditoria nas máquinas eleitorais. Não provaram nada. “Então, agora, vamos impugnar as contas!” Impugnaram. Tramita o processo. Ainda hoje há uma investigação, como há uma investigação em relação ao candidato derrotado no segundo turno.

Foi aí, então, que, diante da inconsistência, da impossibilidade de deslegitimar a eleição, iniciou-se a caça ao fato do impeachment. Procura-se um fato. Começou-se a procurar fato do impeachment a todo momento, a todo instante. Achem um fato. Achem um pretexto. Além de terem dificuldade de achar um pretexto, havia um problema: naquele período pós-eleitoral, a oposição, sozinha, não tinha força para promover nada.

Ocorre que, passados alguns dias do resultado eleitoral, S. Exª o Procurador-Geral da República divulga a primeira lista de pessoas que estavam submetidas a investigação por força de delações premiadas. Aqui não quero prejulgar nem condenar ninguém, mas foi esse fato que agitou o mundo político brasileiro e se começou a cobrar insistentemente da Senhora Presidente da República que parasse com aquilo. Se continuassem aquelas investigações, haveria uma sangria da classe política brasileira. E a Senhora Presidente da República sempre determinou a seus subordinados que agissem se houvesse abusos, mas jamais dissessem quem deve e quem não deve ser investigado. Isso descontentou muita gente.

A postura republicana da Senhora Presidente da República trouxe problemas no mundo político, e a encarnação desse primeiro problema tem nome e sobrenome: chama-se Eduardo Cunha.

Eduardo Cunha é eleito Presidente da Câmara contra a posição da Senhora Presidente da República e do Planalto, e apoiado pela oposição. Não acham isso? Leiam os jornais. Vejam quem apoiou Eduardo Cunha para ser eleito Presidente da Câmara, e por que foi apoiado. Eu tenho certeza de que os senhores da oposição já conheciam – porque no mundo político tudo se sabe – quem era Eduardo Cunha, mas o apoiaram porque sabiam que, naquele homem, poderiam fazer uma junção de interesses para desestabilizar o governo. É só essa a razão que fez – acredito eu e espero que seja assim – com que pessoas que reputo de altíssima índole e capacidade moral tenham apoiado publicamente S. Exª, Eduardo Cunha.

Eduardo Cunha, contra a posição de Dilma Rousseff, assume a Presidência da Câmara e imediatamente inicia o processo de desestabilização do governo. E os recados são dados pela imprensa, não falam das alcovas. O recado era: “Parem com a Lava Jato. Demita o seu Ministro da Justiça e o seu Diretor-Geral da Polícia Federal, porque, senão, esse governo será desestabilizado.”

Dilma Rousseff, como sempre, se recusou e encarou Eduardo Cunha da mesma forma com que encarou os seus algozes, quando tinha pouca idade, no momento em que foi julgada. E disse: “Não! Não aceito ameaça! Não aceito desafios! Enfrente-me!” E ele, então, tornou-se o vértice de dois grandes agrupamentos: os ressentidos com a derrota de 2014 e os que queriam parar a Lava Jato. A soma dessas forças políticas, claramente materializadas na Câmara, tiveram Eduardo Cunha como vértice, e o governo perde a maioria. É a partir daí que o governo começa a amargar os seus piores dias.

Era necessário, sim, tomar medidas que, a nosso ver, decorriam da crise internacional, medidas que efetivamente decorriam de um conjunto de situações por que vários países do mundo passavam. Poder-se-á discutir se o governo acertou, errou, desenvolveu uma política anticíclica maior, mais elevada, mais aguda do que devia. Essa é uma discussão de economistas, mas eu lhes garanto que o governo fez o possível para acertar, dentro da mais absoluta boa-fé, dentro daquilo que vários economistas entendiam que era o caminho correto e oportuno.

Mas, em 2015, por força de situações já explicadas pela Senhora Presidente da República no dia de ontem, exigia-se que questões fossem aprovadas pelo Congresso Nacional. O Presidente Eduardo Cunha paralisou a Câmara e teve o apoio dos derrotados de 2014. Paralisou a Câmara e ameaçava permanentemente. Até que se chega ao clímax: o Sr. Procurador-Geral da República determina uma busca e apreensão na própria casa do Presidente da Câmara. Ele, imediatamente, rompe com o governo e fala: “Daqui para a frente, eu sou oposição.” Abre-se contra ele um processo na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, e ele manda o ultimato: “Ou a Bancada do Partido dos Trabalhadores [aquela que foi execrada há pouco, na outra tribuna] vota para encerrar o processo de Eduardo Cunha ou eu abro o impeachment.”

Lembrem-se, senhores, de que nunca foi dito pela Senhora Presidente da República que Eduardo Cunha redigiu a exordial. Não.

Mas vamos ver os fatos. Os denunciantes tinham entrado primeiro com uma Denúncia que só dizia respeito a 2014. Era a primeira Denúncia.

Até os tijolos do Supremo Tribunal Federal sabem que o artigo que trata, na Constituição, do impeachment – o art. 86, § 4º, da Constituição – é claro ao dizer que um Presidente da República não pode ser responsabilizado por atos anteriores ao seu mandato.

Naquela acusação, havia Pasadena, por exemplo, já arquivada pela Procuradoria-Geral da República. Mas, a Senhora Presidenta da República era ministra. Era óbvio que aquilo não configurava, em hipótese nenhuma, crime de responsabilidade, nem poderia configurar. Repito, até os tijolos do Supremo Tribunal Federal sabem disso. Eduardo Cunha sabia, bem assessorado. Ele sabia que, para ameaçar seriamente o governo, ele precisava de uma denúncia que tivesse qualquer coisa de 2015, para que a Defesa da Senhora Presidente da República não derrubasse na Justiça uma denúncia completamente fora daquilo que a Constituição admite.

Vamos aos jornais. Curiosamente, setores da oposição e o Presidente Eduardo Cunha começam a se reunir, e ele diz: “Não, vou esperar um pouquinho de tempo, um pouco de tempo para analisar se aceito ou não. Parece que os denunciantes querem fazer um aditamento.” Os denunciantes fazem um aditamento, mas depois optam, por alguma razão, em retirar o pedido original e apresentar um novo. O novo era idêntico ao anterior, só tinha uma diferença: duas denúncias de 2015. Esse foi o tempo que Eduardo Cunha deu para que fosse apresentado um novo pedido.

A imprensa documenta, é só ler. Foi assim que aconteceu. Era evidente que houve um diálogo para que ele apresentasse, para que os denunciantes apresentassem fatos de 2015. No ato da entrega, os mesmos Parlamentares que dialogavam com Eduardo Cunha se documentam com pessoas dos ditos movimentos, justamente para dizer: essa é a nova Denúncia, idêntica à anterior, só que com fatos de 2015.

Eduardo Cunha, então, diz: “Se não houver votos do PT para arquivarem o meu processo, eu abro o impeachment.” No momento em que sai a nota do Partido dos Trabalhadores dizendo que aquele Partido, tratado como indigno aqui, não apoiaria Eduardo Cunha, ele não se faz de rogado e não espera. É imediato. Ele vai a público e diz que está aberto o impeachment da Presidente da República, justamente naqueles dois fatos novos – vejam a coincidência – que foram incluídos pela Denúncia, e os relativos à 2015.

E o despacho de Eduardo Cunha fica para a história porque é fantástico. Leiam, por favor, Srs. Senadores, o despacho de Eduardo Cunha. Ele chega a dizer, curiosamente, no despacho de 2014, que ele não poderia aceitar as pedaladas de 2014, porque aquilo não havia sido apreciado pelo Congresso Nacional, apesar de rejeitado pelos Tribunais de Contas. Está dito isso. Porém, mudam algumas linhas, e ele diz: “Os de 2015 eu posso aceitar.” Os de 2015 até agora não foram julgados pelo Tribunal de Contas. Como se explica isso? É que o despacho vinha sendo feito pela assessoria numa linha que era para rejeitar. E subitamente ele fala: “Mudem.” Só que esqueceram de mudar as linhas anteriores.

Então, no despacho, tenho ele, para 2014, dizendo que não poderia aceitar as pedaladas, porque efetivamente o Tribunal havia julgado, mas o Congresso Nacional não. Mas aceita a de 2015, onde sequer o Tribunal tinha se manifestado.

Querem os senhores uma maior prova de desvio de poder e de conluio entre as forças políticas que queriam destruir Dilma Rousseff e Eduardo Cunha? Se não querem ver hoje, a história verá.

Inicia-se o processo de impeachment. Setores da mídia usam uma estratégia que hoje já fica conhecida dos cientistas políticos. Hoje destituições de presidente – permitam-me dizer com toda a sinceridade e franqueza e eu o faço com base em estudo de cientistas políticos renomados, estrangeiros –, hoje, … não se fazem mais com tanques ou com armas. O que é um golpe? Golpe é uma destituição ilegítima de um presidente da República, pouco importando a forma ou o modus pelo qual ele é feito. Iniciou-se esse processo. Não se podia chamar tanques e armas. Criaram-se pretextos jurídicos, pretextos jurídicos, da mesma forma que a ditadura militar condenou Dilma Rousseff quando era jovem. Pretextos, pretextos que talvez ninguém se lembre daqui a algum tempo, pretextos que hoje a população não sabe dizer quais são, pretextos! Mas pretextos que justificavam o conjunto da obra, o mesmo conjunto da obra que havia sido invocado pelos acusadores de Dilma Rousseff em relação àqueles que lutavam pela defesa da democracia e que lutavam pelo fim da ditadura militar. Os fatos prosseguem, as coisas se alimentam. A posteriori surgem provas irretorquíveis de que líderes políticos dialogavam dizendo que era indispensável que Dilma Rousseff saísse do poder para acabar com a sangria da classe política brasileira. Esses áudios mostram que lideranças que, inclusive, tinham dúvidas na própria posição quanto aoimpeachment, teriam sido convencidas a se somarem todos nesse processo. Isso é público, isso é notório.

Hoje, então, senhoras e senhores, após esses fatos, nós chegamos a este julgamento. Esses fatos alimental o julgamento que aqui temos e que os acusadores de Dilma Rousseff vão à tribuna e parece que colocam o seu partido no banco dos réus, colocam o conjunto da obra e se prendem muito pouco na análise da real acusação que efetivamente contra ela é dirigida. E por que o fazem assim? Porque são pretextos, Srs. Senadores, são pretextos, pretextos irrelevantes, pretextos que são utilizados retoricamente, porque apenas se quer fastar uma mulher que incomoda, que incomodou as elites, que incomodou ao ganhar a eleição, que incomodou ao permitir que a Lava Jato fosse obstada, uma mulher que incomoda, uma mulher. Aliás, me permitam dizer, com toda a franqueza e com toda a sinceridade, vejo aqui, no plenário do Senado, ex-ministros da Senhora Presidente Dilma Rousseff – alguns que permanecem leais a ela, outros que acham que devem migrar para outro caminho, e eu falo como ex-ministro dela –, algum dos senhores algum dia recebeu alguma proposta, alguma determinação, alguma orientação de Dilma Rousseff para que infringisse a lei, para que desrespeitasse a Constituição ou para que desviasse dinheiro público? Permitam-me responder pelos senhores – não! E sabem por quê? Porque ela não faz isso.

Se há uma pessoa que é absolutamente correta e íntegra no sistema no político brasileiro corrompido às medulas é Dilma Rousseff. Ela nunca tolerou, nunca, nem um ato de corrupção, nem um ato de desvio ou a suspeita – me desmintam os Srs. Ministros se eu falo aqui inverdade – nunca, aliás, bastava Dilma Rousseff cheirar algum equívoco e ela ligava e ia, como lembra a Ministra Gleisi Hoffmann, na jugular dos seus Ministros. E sempre disse: “não aceito isso, não façam isso senão vão se ver comigo”. “Ah, mas ela é autoritária. Ah, mas ela é muito dura”.

Mulheres quando são corretas, íntegras e sabem enfrentar situações da vida como essa são duras. Mulheres quando se equiparam nas suas disputas aos homens são autoritárias. É difícil – imagino eu – que sempre atuei ao lado, que sempre foi comandado por mulheres na minha vida não perceber o quanto vocês são discriminadas e é impossível não perceber como Dilma Rousseff foi profundamento discriminada por ser mulher. Me permitam, como homem, dizer isso. Se há mulheres que não percebem isso, um homem percebe. Talvez porque tenha ficado ao lado dela, talvez porque tenha visto a maneira com que as pessoas quereriam, se fossem um homem, o que ela faz: “olha que energia, hein?” Não, de Dilma Rousseff não era energia, era totalitarismo e falta de diálogo. Por quê? Porque era mulher. E ela era absolutamente enérgica como sempre foi dentro de qualquer situação, qualquer que pudesse implicar em desrespeito à lei, em desrespeito à moral e, por isso, me dói como ex-Ministro, me dói ouvir dizer situações que ouvi aqui desta tribuna. Não me dói como Advogado, me dói como ser humano.

Não é justo, não é justo falar o que falaram aqui de Dilma Rousseff. Querem condenar, condenem! Mas não enxovalhem a honra de uma mulher digna. Ela é digna! Invoco os Srs. Parlamentares, Senadores, ex-Ministros, todos, para que digam se algum dia receberam alguma proposta imoral de Dilma Rousseff. Podem acusá-la de ter se equivocado porque todos nós nos equivocamos, podem acusar de ter cometido erros e todos nós erramos, mas por favor, para justificar uma situação como essa, não atinjam a honra de uma mulher digna. E muitos fizeram isso, criaram situações, disseram que ela tomava remédios para tentar desqualificá-la como mulher, afirmaram verdadeiras barbaridades, mas nunca, Senador Cássio Cunha Lima, demonstraram que essa mulher enriqueceu, que enviou dinheiro para seus filhos, que fez qualquer coisa que não fosse estritamente dentro da ética. Portanto, é absolutamente indigno esse assassinato de reputação que se faz aqui nesse processo. Indigno para todos aqueles que conhecem Dilma Rousseff, indigno para todos os Srs. Parlamentares que conviveram com ela. Não se faz isso! Não se pode fazer isso! É injusto!

Qual é o objeto? Eu me permito dizer os pretextos desta acusação? São dois os pretextos. Pretextos.

Pretextos que são atos jurídicos baixados por todos os outros governos anteriores. Todos os outros governos fizeram. Não me digam que não fizeram. É só ver.

Fernando Henrique Cardoso baixou decretos idênticos a esse; Lula baixou. Aquilo que chamam de atrasos das subvenções aconteceu em todos os governos. E aí vão se criando pretextos para se justificar. Pretextos. Pretextos incompreensíveis ao cidadão, mas que vamos desmistificar.

O objeto deste processo são três decretos de abertura de crédito suplementar e atrasos nas operações de crédito do Plano Safra.

Muito aqui se tem falado da maquiagem: “Houve maquiagem nas contas”. Por favor, sejamos corretos. A Câmara dos Deputados analisou essa questão da maquiagem, e o parecer do então Deputado Jovair Arantes arquivou essa denúncia. Por quê? Porque disse que não era da alçada da Presidente da República.

Vejam, me permitam ler como testemunho da verdade.

Relatório de Jovair Arantes:

A omissão de passivos da dívida líquida do setor público é matéria estranha à esfera de atuação da Presidente da República, restringindo-se às competências do Bacen.

Deputado Jovair Arantes, pessoa próxima de Eduardo Cunha.

Cotejados esses fatos e considerações, a análise quanto a indício de autoria sobre o ponto específico da omissão de passivos aponta para a inviabilidade de eventual processo de responsabilidade da Presidente da República.

E aí conclui:

Assim, a análise efetuada neste parecer é pela inviabilidade de eventual processo de responsabilização direta da Presidente da República.

Ou seja, a Câmara dos Deputados não autorizou o Senado a acusá-la disso. E o Senador Anastasia trata dessa questão no seu relatório, indo além do seu objeto. E a acusação hoje se refere a isso, fazendo, inclusive, referências ao parecer do Dr. Ivan Marx.

De fato, o parecer tem dois segmentos, Senador Ferraço: um segmento que fala das operações de crédito e outro que fala deste.

Por que não peguei e não li as outras linhas do parecer, que tratam disso? Porque não é o objeto. Mas poderia tê-las lido. E por que poderia? Porque é o próprio Ivan Marx quem solta uma nota, dizendo: “Eu não investiguei a Presidenta da República nesse caso, apenas estou falando de improbidade de inferiores a ela”. “E ainda não está claro quem é”, diz ele. Essa é a nota. Por favor, essa é a nota.

É tão pobre a acusação de provas, que se tem que pegar aquelas que existem a nosso favor, para distorcê-las.

É só ler a nota de Ivan Marx. É só ler o relatório da Câmara.

Quem tem que distorcer provas é porque não tem provas a seu favor. Essa é uma verdade da vida forense permanente.

Pois bem, e qual é a acusação relativa aos decretos? Senhores, orçamentos, orçamentos são leis importantes, que devem ser respeitadas, mas que são autorizações de gastos. Um orçamento autoriza gastos.

A Constituição autoriza expressamente a possibilidade de que leis autorizem decretos que façam suplementação de crédito.

Em princípio, é proibido, mas a Constituição autoriza. Permitam-me ler o art. 167, inciso V, da Constituição: “A abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes” é proibida – sem prévia autorização legislativa. É por isso que a Lei Orçamentária, a cada ano, normalmente no art. 4º, autoriza a abertura de créditos, excepcionalmente, em certos casos. E o que prevê o art. 4º? Que é perfeitamente possível que sejam baixados esses decretos, se houver a compatibilização com a meta fiscal. Note-se: não o limite. Há uma diferença entre compatibilizar e limite. Limite é aquilo que eu não posso ultrapassar; compatibilizar é aquilo que admite compatibilização.

E assim, então, sempre se entendeu, desde o início da Lei de Responsabilidade Fiscal, no ano 2000. Entende-se que os decretos podem ser baixados, se eu fizer a compatibilização com a meta. De que forma? Através de decretos de contingenciamento. Que estão previsto onde? No art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por quê? Porque, como o contingenciamento limita o gasto, a autorização de acréscimo do gasto não tem efeito fiscal. E a meta fiscal é o quê? Fiscal. É simples.

Exatamente para viabilizar tudo isso, foi feito um procedimento técnico, adotado há mais de uma década, adotado por pareceres técnicos que examinam se há compatibilidade ou não. Isso chega como um despacho burocrático para a Senhora Presidenta da República, com os pareceres dizendo: “Olha, esse decreto não afeta a meta.” Isso está aprovado nos autos. A própria perícia… E disse a nobre Acusação: “Não, a perícia foi a nosso favor.” Mas, veja, basta uma resposta para acabar com o crime, e essa era uma delas. A perícia diz claramente: “A Presidenta não foi avisada de que efetivamente havia uma ofensa à meta. Ao contrário. Ela foi avisa de que não feriria.” Bem, acabou o dolo.

Mas, aí, senhores e senhoras, havia um problema. Subitamente se constrói uma tese. Onde? No Tribunal de Contas da União. Por quem? Pelo Procurador aqui tido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Suspeito por quê? Porque era um militante, porque atuava nas redes sociais, chamando atos contra Dilma Rousseff. Esse era o homem isento, o jurista que criou a tese. Criou a tese, perdão, não sozinho, mas com um auditor, um auditor que aqui veio e confessa: “Eu ajudei o Dr. Júlio Marcelo a fazer a representação.” Até aí nenhum problema. Só que, depois, contra as regras do Tribunal de Contas da União, essa representação foi mandada para quem? Para ele, para o auditor. Vejam os senhores: um auditor e um membro do Ministério Público. O auditor ajuda a fazer a representação, e o Dr. Júlio Marcelo, um militante político, um suspeito, fala com o Relator. E para quem vai a representação? Para o mesmo auditor, fora das regras do Tribunal de Contas da União. Como é que chama isso? Depois é a Defesa que faz ardis. Como é que chama isso?

Constrói-se, então, a tese. Mas o que é mais impressionante e impactante, Srs. Senadores, é que a tese vem sendo construída ao longo do tempo. O Dr. Júlio Marcelo, que disse: “Basta ler a lei, basta ler a lei, que fica evidente”, muda de opinião. Primeiro, ele diz que o excesso de arrecadação poderia ser utilizado como fonte. Se a Presidência tivesse utilizado só o excesso de arrecadação, não haveria problema, porque só superávit primário era problema. Perdão. Superávit primário, não; o superávit, o superávit financeiro. Muito bem.

Passam três meses e Júlio Marcelo já disse que o excesso de arrecadação não pode mais. Se Dilma Rousseff tivesse lido o parecer de Júlio Marcelo, logo no dia seguinte em que ele tinha dito, poderia ter baixado um decreto, com base no superávit financeiro, e seria condenada depois por… Júlio Marcelo! Vejam como é tranquila essa tese.

E, depois, isso evolui. E Júlio Marcelo já muda de novo de opinião, vindo construir a ideia – adotada no relatório do Senador Anastasia – da meta orçamentária. Meta orçamentária! Não basta apenas e tão somente não gastar; é necessário que, formalmente, o Orçamento esteja adequado no momento. Isso é impossível! Todos os especialistas em ciência das finanças dizem que é impossível. Por que é impossível? Porque a própria Constituição manda incluir créditos que não estão no Orçamento, no art. 167, §2º; os crédito feitos no último quadrimestre. Então, como se pode ter a ideia de que o Orçamento nasça incompatível com a meta? Que meta orçamentária é essa em que o Orçamento nasce já incompatível com a meta? E os restos a pagar, que não estão no Orçamento, entram onde?

É evidente que essa tese não tem pé nem cabeça, com todas as vênias de quem pensa o contrário. Mas tinham que criar isso, porque a perícia demonstrou que todos os decretos somados não gastaram um níquel sequer! Tinham que criar, tinham que condenar! O pretexto, quando está errado na origem, vai se transfigurando para justificar mais tarde, de qualquer forma, a condenação que se deseja.

Muito bem. Ah, então, é meramente formal? É. Nós vamos afastar uma Presidente da República por uma tese, que não existia, de que há uma ofensa formal ao Orçamento? É isso que se está ouvindo? É isso. Uma tese construída a posteriori, por um procurador suspeito e por um auditor mais suspeito ainda, com a devida vênia, de uma meta que foi construída no mundo das ideias e que não implicou gasto nenhum. Que desequilíbrio isso trouxe para o País para afastarmos uma Presidente da República? É pretexto.

“Ah, mas é doloso, hein! É doloso! Ela queria descumprir, mesmo com a Constituição.” Meu Deus! Os pareceres que estavam colocados diziam que ela na feriria a meta. E, aí, o Relator Anastasia dá a solução: “Querem ver como há o dolo? Cinco dias antes de ela baixar o decreto, ela mandou o projeto de lei que reduzia as metas”. Ora, meu Deus! Se o parecer que ela tinha dizia que não feria a meta, que diabos implica que ela reconheça qualquer coisa do decreto, mandando projeto de lei, se sabia que as metas estavam desrespeitadas? Qual é o nexo lógico? Nenhum. Ela mandou o projeto de lei porque as receitas estavam caindo, e ela sabia que a meta não poderia ser atingida – como, aliás, sempre recomendou o Tribunal de Contas da União; como fez Fernando Henrique Cardoso, mas por medida provisória, porque na época podia; como fez Lula, em 2009. Ela mandou um projeto de lei que não tinha nada a ver com o decreto, porque, pela visão dominante e pelos pareceres que ela recebeu, não tinha nada a ver com a meta. Como o envio do projeto mostra o dolo da Presidente da República? “Ah, porque ela sabia que a meta não ia ser atingida.” Mas os pareceres diziam que os decretos não atingiriam! A concepção dominante dizia que não atingiria. Como se extrai uma conclusão dessa?

Nem na Santa Inquisição fariam algo igual. Porque, na Santa Inquisição, ficavam procurando trejeitos de bruxos e de feiticeiros para condenar. Está claro que tentavam criar os novos, mas, nesse caso, pelo menos os inquisidores tomavam o cuidado de associar A com B: dessa premissa, temos a outra e, depois, temos a conclusão. Aqui, nem isso.

O dolo da Presidente da República está provado pelo projeto lei que ela mandou cinco dias antes de baixar os decretos. O projeto de lei propunha a redução da meta, e o parecer que ela recebia dizia que o decreto não afetava a meta. Onde é que está o dolo? É um absurdo, senhores; é um verdadeiro absurdo! E, diria: mais do que um absurdo; é um escândalo. E um escândalo que o mundo inteiro observa, um escândalo que levou o jornal The Guardiam a falar ontem o que falou; o Le Monde, a baixar o editorial que baixou, dizendo que isso ou é golpe ou é farsa. O mundo inteiro percebe isso, basta olhar esses fatos e esses argumentos.

Não bastasse tudo isso, a meta não foi ferida. Sabem por que, senhores? Porque a meta é anual. E ontem… Eu ouvi agora há pouco a própria acusação falar: “A meta é anual.” Anual tem só um sentido: anual. Não tem outro. Por mais que eu me esforce, eu não consigo ver outro sentido para a palavra anual que não seja: anual. Meta anual é o quê? Meta a que se chega quando? No final do ano. Já me esforcei para entender como não é, mas é a única compreensão que este modesto advogado tem.

Dizem: “Mas a lei fala que tem que ter relatórios de acompanhamento.” Relatórios do quê? Acompanhamento. Acompanhar é o quê? É acompanhar. Não tem outro sentido. E por que se acompanha? Para ver se a meta será atingida, porque, se não for, têm-se duas alternativas: ou se baixa um contingenciamento ou se explica para o Congresso Nacional que a receita caiu e eu tenho que mudar a meta. É isso. É tão simples! Basta ler a lei. É claríssimo! É claro! É irretorquível!

Mas, não; criou-se a ideia de que a meta anual tem que ser vista a cada dois meses. Como? Meta anual vista a cada dois meses? É. Quem bolou isso? O Dr. Júlio Marcelo, nosso auditor: “A meta anual tem que ser vista a cada dois meses, hein?” Ah, é? “É.”

É o mesmo, Senador Aécio Neves, que se eu dissesse o seguinte: eu tenho o compromisso de, até o final do ano, emagrecer 12kg. A cada dois meses vou verificar quantos quilos eu emagreci. E após seis meses eu percebi que emagreci 4kg. Eu descumpri a meta? Não, porque ela é anual. Eu vou ter que comer menos nos outros seis meses. Ou, então, se eu perceber que tenho um problema de saúde e não vou atingir isso em 12 meses, eu vou ao médico e falo: “Doutor, me permita alterar; eu vou morrer!” E o médico falou que eu não posso. Neste caso, quem era o médico? O Congresso Nacional. Quando se percebeu que não se podia atingir a meta porque a receita havia caído, o que se fez? Mandou-se um projeto. Por quê? Porque, se contingenciasse mais, como disse a Senhora Presidente da República, quebrava o Governo, parava tudo: programas sociais, Ministérios, Polícia Federal, tudo. Será que era isso que eles queriam?

A verdade é que meta anual é anual; acompanhamento é acompanhamento; fora isso, é pretexto.

E mais: o projeto de lei foi mandado, os Srs. Senadores aprovaram, não houve descumprimento de meta. Os decretos não gastaram, a meta não foi descumprida. E mesmo que tivesse acontecido ad argumentandum tantum, como a Presidente da República argumentou ontem, haveria convalidação do período passado. A convalidação, senhores, por favor, está na legislação federal que trata dos procedimentos administrativos. Não há um autor hoje que não fale que existe convalidação – e o Prof. Anastasia é mais sapiente em Direito Administrativo do que eu. Todos reconhecem a convalidação e, não fossem os autores, a lei reconhece. De onde se tira isso? Alguém tem alguma dúvida de que isso é um pretexto?

Mas vamos à segunda acusação. Vamos à segunda acusação. Vamos à acusação das operações de crédito.

Nunca, em tempo algum, na história do Direito brasileiro, desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade Fiscal, algum jurista ou rábula disse que era operação de crédito a figura da subvenção. Por quê? Porque operação de crédito é algo que ocorre com contrato. Sabem o que é um contrato? Algo que exige um acordo de vontades. Se têm alguma dúvida de definição vão à Lei nº 8.666, que no art. 2º, parágrafo único, define o que é contrato. Contrato é qualquer vínculo que decorra de acordo de vontades, independentemente da denominação utilizada. É o que diz a lei.

Muito bem. E aí tem razão a Acusação. O acordo de vontades pode ter instrumento ou não ter instrumento, pode ser verbal ou não ser verbal, mas é acordo de vontades. É isso que se diz que não tem. Como é que não tem contrato? É que não tem acordo de vontade nenhum no Plano Safra, porque a lei que disciplina o Plano Safra é a lei que diz como funciona. E mais, mesmo que eu entendesse que houvesse um contrato extraído da lei entre o Banco do Brasil e a União, o atraso no pagamento não vira contrato.

Vocês já viram atraso de pagamento virar novo contrato? Eu nunca vi. Eu atraso um pagamento… Ah, virou um novo contrato. É o mesmo contrato atrasado. Se o empregador atrasa o pagamento do empregado, isso não é um novo contrato. É o atraso do primeiro. É o que aconteceu. É um atraso.

Criou-se que esse atraso de pagamento é uma operação de crédito. Sabem por quê? Quem criou? Dr. Júlio Marcelo, nosso amigo auditor, para dizerem que isso é vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, para proibirem isso não para o futuro, mas para o passado! Para o passado. Aliás, Presidente Renan, as duas acusações contra a Presidenta são voltadas para o passado.

A Drª Janaina disse há pouco: “Não, o Tribunal de Contas nunca apreciou, nunca apreciou isso!” Por quê? Porque foi dito aqui pelo Dr. Nelson Machado, Nelson Barbosa, perdão, que nas contas de 2009 havia uma tabela que analisava os créditos. E a Drª Janaina há pouco disse: “Não! Eram créditos de contingenciamento”. Eu falei: será que eu li errado? E fui pegar.

Está aqui. Está aqui, senhores. Aquilo que a Acusação acaba de dizer que era uma tabela de decretos suplementares está aqui. Permitam-me ler: “Abertura de créditos adicionais 2008/2009”.

Créditos adicionais! É a Defesa quem mente? Ou seja, o Tribunal de Contas analisou em 2009, e todos os anos ele faz isso com a mesma tabela de créditos adicionais. Ele bota essa tabela para quê? Para enfeitar a página? Para que seja uma decoração, Senador Viana? Não. É porque isso foi analisado. E se foi analisado e não viu irregularidade é porque aprovou. E se aprovou é por quê? Porque estava certo, a seu ver. Se em 2015 entendeu que não estava mais certo, o que aconteceu? Mudança de opinião. Há alguma dúvida nisso? Não. Mas não se pode dizer que ele mudou de opinião, porque aí mostrar a retroatividade é a prova do arbítrio. Ou seja, mudou-se de opinião por obra do Procurador suspeito, do auditor. E aí, ao se mudar de opinião se quer atacar o passado quando nunca ninguém disse isso, nunca ninguém escreveu isso, nenhum técnico da administração disse isso. Nada. É impressionante, senhores.

E mais, disse que a Presidenta da República é culpada. Qual é o ato da Presidenta da República?

A Acusação, Senador Ferraço, joga duplo. Não existe isso na história do direito, jogar duplo em Direito Penal ou em crime de responsabilidade. Não existe. Porque se afirma que o acusador tem que ter certeza do que faz. Ele não pode dizer: se não é isso, é aquilo. Mas aqui se diz.

Na denúncia, se fala: olha, é ato comissivo, ou seja, é um ato. Por quê? Porque a Presidenta se reunia com Arno Augustin. E hoje o acusador disse: não, se reunia com outro também. Mas, meu Deus, alguém pegou a ata dessa reunião para ver se discutiam o Plano Safra? Alguém provou isso nos autos? Não. Se deduz que de reuniões da Presidenta da República com o Sr. Arno Augustin, que não estava nem mais em 2014 no governo, e depois com o Dr. Saintive, que ninguém sabe dizer exatamente o que foi tratado, que era nisso que ela dava as ordens.

Nem na Inquisição! Na Inquisição, claro, tentavam extrair a verdade por tortura, mas pelo menos diziam o que tinha acontecido. Aqui, não, é uma reunião que ninguém sabe quando foi, do que se tratou, e dela se tira a ilação que a Presidenta mandou atrasar pagamentos.

Atrasar pagamentos? Perfeito. Qual é o prazo? Não tem. Como? Não tem. Não tem prazo? Não, não tem prazo. Atrasou pagamento, é culpada, e não tem prazo. Não tem. E qual é o prazo? Esse era um problema que se tinha.

Aí o Dr. Anastasia, meu querido amigo, fez a grande criação da história do direito mais recente. E por isso eu tomei a liberdade de chamar de prazo anastasiano, porque, repito, sempre que se faz uma criação, o nome do criador tem que ficar estampado efetivamente naquilo que se cria, como o canto gregoriano, o canto ambrosiano, o prazo anastasiano.

Nunca foi discutido antes, não existia para as partes, ninguém falava, ninguém dizia absolutamente nada, mas o Senador Anastasia, tomado pela paixão partidária fala: “Eu tenho que criar um prazo, porque, senão, como é que eu digo que tem atraso? Como eu falo que tem atraso se não tem prazo?” Aí ele cria.

Pega o Código Civil que, como disse o Prof. Lodi, não se aplica ao caso, pega um decreto da Presidente que ela baixou depois da decisão do Tribunal de Contas mandando ordenar e fala: sabe esse prazo? Esse é o prazo.

Então, era esse o prazo que eu tenho que calcular, retroativamente, quando deveriam ter pago. Eu nunca vi. Olha, a minha dissertação de mestrado é a retroatividade da lei. Nunca imaginei que eu ia ver tanta retroatividade na minha vida como eu vejo nesse processo.

Eu nunca vi. É retroatividade do prazo, retroatividade da decisão do Tribunal de Contas, tudo para o passado. Isso não existe. Com a devida vênia, Senador Anastasia, criar um prazo para aplicar para trás? Se é um contrato – e não é –, mas se é, as partes estipulam um prazo. E não alguém cria a posteriori para aplicar.

E aí o Senador Anastasia se viu numa dificuldade terrível, porque, mesmo dentro do prazo dele, o atraso da Presidenta da República de 2015 era de quatro meses. Quatro meses. Derrubar uma Presidente da República por quatro meses de atraso.

Aí, brilhante como é, o Senador Anastasia teve que criar mais uma saída. Introduziu uma nova acusação, que não estava no documento recebido pela Câmara, dizendo que a Presidente da República, no dia 1º de janeiro, de 2015, tinha que ter pago tudo que estava em aberto, desde 2008, desde aquilo que não era do governo dela, dia 1º de janeiro, no ato da posse. Era assim, assinar a posse e assinar o ato de pagamento. Porque, se não fez, cometeu crime de responsabilidade.

Os presidentes anteriores não cometeram? Ninguém cometeu?

Ah, mas devia ter percebido! Devia? Por que o Congresso Nacional não denunciou isso? Será que todos os Parlamentares dormiram? Será que todos os Deputados dormiram? Senadores dormiram? Tribunal de Contas dormiu um sono esplêndido? Por quê?

Porque a tese não existia, a tese foi criada pelo Dr. Júlio Marcelo e pelo nobre auditor que aqui esteve e que o ajudou a fazer. Encantou os conselheiros do Tribunal de Contas, encantou a todos, e pune-se retroativamente uma Senhora Presidente da República pelo encantamento de uma nova tese. Encantamento ou arbítrio? Encantamento ou pretexto? Encantamento por uma nova tese ou uma clara tentativa de afastar, com ruptura institucional e constitucional, uma Presidente da República legitimamente eleita?

Estou batendo demais aqui, está caindo tudo.

Obrigado, Jorge.

Ora, Srs. e Srªs Senadoras, como não há ato da Presidente, criou-se uma nova alternativa: o duplo. “Ah! Ela se omitiu. Ela se omitiu. A Presidente da República se omitiu” Mas se omitiu quando, se ela não tinha o dever de gestão? “Ela se omitiu, porque ela tem que governar, e ela governa, a Constituição diz que ela governa, ela dirige a Administração, então, tudo que acontece na Administração é culpa dela”. Não existe isso no mundo do direito, Srs. Senadores, Srªs Senadoras.

Eu trago à colação um grande jurista, um dos melhores penalistas brasileiros, Prof. Miguel Reale Júnior, que, no seu livro de direito penal, ensina aos seus alunos, claramente, que o crime omissivo existe quando há um dever específico descumprido.Ele ensina isso e quero seguir aqui suas lições.

Não há possibilidade de omissão quando alguém não tem o dever específico, não existe a responsabilidade objetiva, nesse caso, posta no plano penal. É um absurdo!

E, como disse outra vez da tribuna deste Senado: cuidado, senhores que foram governadores, que foram prefeitos, que serão prefeitos, que serão governadores, porque, daqui para frente, ao abrir-se a porta para essa tese, qualquer ordenadorzinho de despesa – e não estou desmerecendo, é apenas para dar simbologia hierárquica –, qualquer ordenador de despesa em plano inferior, ao praticar qualquer ato numa licitação, Senador Cristovam, levará a imputação maior para a perda do cargo e do mandato de uma pessoa legitimamente eleita.

O que é isso? É o que se quer para o nosso País? Essa é a segurança jurídica que o Senador Anastasia fala numa obra que recentemente li, em que ele falava que a segurança jurídica é uma das peças estruturantes e basilares do nosso sistema? É assim que se constrói a segurança e ambiência jurídica para negócios, para estabilidade democrática num País como o nosso? É assim?

Por isso, senhores, não há ato da Presidente da República, nem omissivo nem comissivo; não há dolo, não há má-fé, porque nunca foi feito nada a respeito disso.

Todas as decisões de Tribunal de Contas da União foram retroativamente aplicadas, nesse caso, seja para os decretos, seja para a pedaladas. Todas as testemunhas ouvidas. Todas, sem exceção – não importa em que órgão trabalhavam, se trabalhavam na Secretaria de Orçamento, se trabalhavam na Casa Civil, se trabalhavam no Tesouro, se trabalhavam –, disseram: “Nenhum desses dois casos eram compreendidos diferente” Isso surgiu depois. E todos disseram que se assustaram quando o Tribunal de Contas, em 2015, levantou esse ponto.

Nunca. Eu desafiei, inclusive, os Peritos na Comissão: digam-me um autor que aponte esta tese. Não apontaram. Digam-me um jurista que dê essa interpretação para Lei de Responsabilidade Fiscal. Não souberam dizer.

Essa tese é construída dentro do Tribunal de Contas da União pelo procurador suspeito, pelo auditor que o ajudou, referendada e tem contra si a opinião de todos – os maiores especialistas do País, os maiores juristas do País e todos os técnicos da Administração, de todos! E é com base nela, Senador Renan, que se quer condenar uma Presidente da República legitimamente eleita.

Bem, se os senhores querem, pelo menos reconheçam que há uma dupla interpretação. O Senador Júlio… Senador, perdão. O Procurador Júlio Marcelo se recusou muito a dizer que havia uma dupla interpretação, porque, se ele dissesse isso, ele saberia que nós cairíamos no in dubio pro reo.

A Acusação diz: “Não, in dubio pro reo não se aplica a interpretações, aplica-se a fatos.” De fato, há autores que dizem isso, não vamos negar – há autores que dizem isso. Mas, se não querem aplicar o in dubio pro reo para a interpretação, interpretem em relação aos fatos. Onde está o dolo da Presidente da República? As pessoas não têm dúvida de que ela agiu dolosamente diante de tudo isso que foi exposto? In dubio pro reo. As pessoas não têm dúvida em relação aos atos dela? In dubio pro reo. Apliquem o in dubio pro reo para os fatos, e ela estará absolvida.

O in dubio pro societate, ou seja, o in dubio para a sociedade era na pronúncia. Agora, é, na dúvida, pro reo, e quem não fizer isso estará descumprindo um princípio de direito e humanitário que foi superado no final do século XVIII. Na Idade Média, na dúvida, se acusava e se condenava. Depois, já no século XIX, não. Absolvia-se.

Mas mesmo a dificuldade de se aplicar o in dubio pro reo para interpretações, parece-me um verdadeiro absurdo, talvez seja garantista demais, democrata demais, respeitado do Estado de direito demais, porque, se há dúvida quanto ao direito aplicável, eu puno? Mormente quando a posição condenatória é dada por um órgão e todos demais, os juristas dizem o oposto, eu puno? É correto, é correto, diante de uma situação em que as pessoa disputam juridicamente algo, eu condenar alguém por uma tese que nunca foi defendida antes?

Senhores, são clamorosamente improcedentes as acusações, são pretextos; pretextos semelhantes àqueles que levaram que Dilma Vana Rousseff a ser condenada nas auditorias militares. Passado algum tempo, ninguém lembrará mais deles, porque são insustentáveis. Talvez o próprio Tribunal de Contas, diante da situação absurda que está gerando com as interpretações tenha que mudar, tenha que flexibilizar, porque, se ele não flexibilizar, ele mata todos os governos que se seguirem, e aí então a história documentará algo perverso: uma Presidente da República sendo condenada por uma tese episódica; criada para ela; em razão dela, e para condená-la.

É isso que queremos no Brasil?

E por que são tão improcedentes as acusações? Por quê? Pelo desvio de poder. Voltamos ao início da nossa história. O desvio de poder foi construído a partir da decisão de Eduardo Cunha abrindo este processo. Precisavam se encontrar pretextos; dialogaram com a oposição; pegaram a primeira coisa que tinham em 2015 e enfiaram.

tanto enfiaram sem estudo que três decretos não geravam despesa e foram obrigados a reconhecer isso, foram obrigados a reconhecer que três decretos não estavam adequados. Não tinham estudado nada, pegaram pretextos, enfiaram em uma denúncia, para ter justificativa da abertura de um processo em que estavam somados juntos os insatisfeitos com 2014 e os que queriam o fim da Operação Lava Jato. E, aí, a tese teve que ser remodelada, porque, a cada dia, tinha dificuldades. Primeiro, dizia o Dr. Júlio Marcelo que o excesso de arrecadação podia baixar, depois, não podia, depois, é a meta orçamentária, prazo, não tinha, vamos criar um prazo, vamos criar situações. Tudo isso foi sendo montado na perspectiva condenatória da forma mais perversa e hedionda que se pode imaginar. O desvio de poder fica patente.

E, aí, Sr. Presidente, eu marcho já para a conclusão, dizendo o seguinte: é correta, é justa uma punição neste caso? Alguém dirá, e eu tenho lido isso nos jornais: olha, a gente sabe que não é bem esses dois fatos, é o conjunto da obra. Como disse a Senhora Presidente da República, conjunto da obra se aprecia nas eleições, conjunto da obra é o povo que decide, porque a vontade popular é soberana. Se os senhores querem que se julgue o conjunto da obra, aceitem a proposta da Senhora Presidente da República de convocar plebiscito agora, é lá que se julga o conjunto da obra, porque, no presidencialismo, não se condena alguém sem prova e por fatos desses, no presidencialismo, não se condena alguém sem crime de responsabilidade, sem ato grave, sem ilícito, sem dolo, com perspectivas retroativas, não se faz isso. E alguém poderá me dizer: não, no fundo, veja, é só a perda do mandato, eu não estou atingindo Dilma. Não? É uma pena de morte política, é uma execração que se faz a uma pessoa digna. Poderão os senhores dormir com as suas consciências tranquilas daqui para a frente, se apertarem o botão sim.

Já houve um autor que disse que a pior tortura que um ser humano tem é condenar um inocente, se essa pessoa tem dignidade, porque, ao fazê-lo, aquilo o acompanhará pelo resto das suas vidas e, quando olharem no espelho, saberão que puniram uma inocente por pretextos, por questões absolutamente não fundamentadas.

Concluo, até mesmo antes do prazo, Sr. Presidente, dando um testemunho aos senhores. Uma das coisas que mais me emocionou ao longo do período em que fui Ministro de Estado da Justiça e fui aquele que mais tempo ficou na democracia exercendo este cargo, foram mais de cinco anos, perdi por uma semana para o Ministro que, na época da ditadura, havia ficado mais que eu, mas uma coisa que mais me emocionava, Sr. Presidente, era dar cumprimento à Lei da Anistia.

Pela Lei da Anistia, Senador Renan, e V. Eª que foi Ministro da Justiça sabe disso, quando se faz um julgamento dizendo que alguém foi injustiçado pelo Estado brasileiro e é anistiado, o Ministro da Justiça, perante seus familiares, pede desculpa, em nome do povo brasileiro, por aquilo que aquela pessoa sofreu.

Isso me deixava muito tocado, especialmente porque não peguei os tempos duros da ditadura, por uma questão de idade, peguei o seu final, mas vi pessoas sendo presas, violentadas, injustiçadas. O que mais me doía é quando eu tinha que pedir desculpas e a pessoa já tinha morrido, quando eu tinha que fazer uma homenagem post-mortem e via a injustiça pesando no ombro de filhos e netos em que eu pedia desculpas para efeito moral, mas a dita pessoa já tinha se ido, mas a vida da pessoa já tinha se perdido.

Peço a Deus que algum dia, se Dilma Rousseff for condenada, um novo Ministro da Justiça tenha dignidade de pedir desculpas a ela. Se ela estiver viva, se faça de corpo presente; se estiver morta, à sua filha e a seus netos. Que se peça desculpas a Dilma Rousseff, se ela vier a ser condenada; que a história faça justiça com ela; que a história absolva Dilma Rousseff, se V. Exªs quiserem condená-la. Mas se V. Exª quiserem fazer justiça para evitar que, no futuro, alguém tenha que pedir desculpas, como eu pedi àqueles que sofreram violência do Estado, julguem pela justiça, julguem pelo estado de direito, julguem pela democracia.

Não aceitem que o nosso País sofra um golpe parlamentar e uma pessoa honesta, correta, íntegra tenha a pena de morte política para que, no futuro, alguém tenha que dizer: Me desculpe, Dilma Rousseff, pelo que a ditadura lhe fez e pelo que a nossa democracia também lhe fez.

Votem, por favor, pela justiça e pela democracia.

Eu não tenho mais nada a dizer.

Os autos falam por mim.

Muito obrigado.”

Auauyi


Vídeos del Discurso del Dr. José Eduardo Cardozo en el Senado

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