Brasil: renuncia el presidente del Banco Central Joaquim Levy

796

Levy é a primeira baixa na equipe econômica do governo Bolsonaro

Menos de 24 horas depois de ser criticado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista, o economista Joaquim Levy pediu demissão da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na manhã de ontem, ele enviou sua carta de demissão ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pedindo para ser desligado do banco. A queda de Levy foi a primeira baixa no alto escalão da equipe econômica montada por Guedes, que é considerado, ao lado do ministro da Justiça Sérgio Moro, um dos principais pilares do governo Bolsonaro. Seu substituto deve ser um nome técnico da iniciativa privada, segundo integrantes da equipe de Guedes, o que deve aliviar o mercado financeiro, que se preocupa com o uso político do banco federal.

“Solicitei ao ministro da Economia meu desligamento do BNDES. Minha expectativa é de que ele aceda. Agradeço ao ministro o convite para servir ao país e desejo sucesso nas reformas”, disse Levy em sua mensagem a Guedes. Segundo uma fonte, os dois teriam conversado na manhã de ontem sobre o pedido de desligamento do executivo. O diálogo “foi cordial e houve muita concordância», de acordo com a mesma fonte.

A permanência do economista à frente do banco tornou-se insustentável desde a tarde de sábado, quando o presidente Bolsonaro afirmou que estava “por aqui” com ele e condicionou sua continuidade no cargo à demissão de Marcos Barbosa Pinto, que atuou no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e havia sido indicado por Levy para uma diretoria do BNDES.

Continua depois da publicidade

Desde que foi indicado por Guedes para assumir o comando do banco, Levy enfrentava resistência dentro do Palácio do Planalto. Após a eleição, ainda durante a transição, Bolsonaro afirmou que aceitaria a indicação por “acreditar em Guedes”, mas que na equipe de governo houve reação ao nome de Levy por ele ter “servido a Dilma” – foi ministro da Fazenda do governo da petista em 2015 – e ao ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral – foi secretário de Finanças. Com doutorado em economia na Universidade de Chicago, reduto do pensamento econômico liberal, Levy era uma indicação pessoal de Guedes.

Em várias oportunidades de entrevista e «lives», porém, Bolsonaro e seus filhos não perdiam oportunidade, de olho em seus seguidores nas redes sociais, de cutucar o presidente do BNDES. Repetia sempre que era preciso abrir a «caixa-preta» do banco, que foi marcado pela política econômica dos governos petistas por empréstimos bilionários para grupos empresariais envolvidos em escândalos de corrupção. Bolsonaro cobrava nos bastidores uma posição mais firme de Levy sobre os empréstimos feitos para bancar obras na Venezuela, Cuba, Moçambique e Angola durante o governo do PT e que não estão sendo honrados. O presidente do BNDES insistia que não havia nada que não tivesse sido mostrado.

Os problemas com o próprio Guedes começaram com a resistência de Levy em não devolver antecipadamente os empréstimos do Tesouro. Para o ministro da Economia, o dinheiro do BNDES era importante no objetivo de redução da dívida, uma promessa de campanha de difícil execução diante do avanço dos gastos. Um caminho mais fácil e rápido, já que do lado de cortes das despesas não seria possível.

Ainda na noite de sábado, Marcos Barbosa (pivô da insatisfação de Bolsonaro com Levy) já havia apresentado sua carta de renúncia ao cargo de diretor de Mercado de Capitais do banco federal de fomento. Ele afirmou que deixou o cargo por causa do “descontentamento manifestado” pelo presidente Bolsonaro e afirmou sentir orgulho de sua carreira nos setores público e privado. Entre 2005 e 2007, no governo Lula, ele foi assessor e chefe de gabinete da presidência do BNDES. Passou pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e foi sócio de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, na Gávea Investimentos.

REPERCUSSÃO IMEDIATA

A demissão de Joaquim Levy teve repercussão imediata no meio político e econômico. O presidente da comissão especial da reforma da Previdência, deputado Marcelo Ramos (PR), avaliou que a queda de Levy joga contra os interesses do país. Embora tenha ressaltado que o caso não deve impactar na tramitação da reforma, Ramos afirmou que o episódio mostra que o governo desconsidera o fato de que há bons quadros capazes de contribuir com qualquer governo.

“O presidente não entendeu que alguns quadros são suprapartidários. Eles não contribuem com um ou outro governo. Contribuem com o país”, disse Ramos. “É uma pena. No fim das contas, quem perde é o Brasil.” Segundo o parlamentar, o Congresso seguirá trabalhando para “blindar a pauta econômica” e impedir que eventuais crises no governo impactem na tramitação de projetos importantes.

Para o cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV) Marco Antonio Carvalho Teixeira, a postura do presidente de se meter em “bolas divididas”, como no caso da demissão de Levy, pode levar o governo a perder protagonismo em questões como a reforma da Previdência. “Não sabemos o futuro do governo desse jeito. O governo perdeu capacidade de articulação e a impressão que tenho é que o protagonismo em relação à reforma vai sair do Congresso e não do Planalto”, analisou.

A economista Elena Landau usou as redes sociais para criticar a postura de Bolsonaro no episódio. Segundo ela, Levy jamais teria anunciado a admissão de um diretor sem que o nome tivesse passado pela aprovação do ministro Paulo Guedes. «BNDES não tem essa independência. Todos os diretores passam pelo crivo do ministro. Deveriam ter demitido logo Levy, mas esperaram essa historinha sem sentido para ter apoio da malta das redes», escreveu Elena no Twitter. Ela foi diretora do BNDES durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e hoje preside o movimento Livres, que defende o liberalismo econômico.

MERCADO TEME NOME POLÍTICO

A saída de Levy do comando do BNDES não abalou analistas de mercado. Eles já esperavam que, diante da personalidade de Bolsonaro, nem mesmo técnicos de alta competência sobreviveriam nos cargos se não partilhassem do pensamento do presidente. Para eles, o que vai interferir ou não na confiança do investidor é a escolha do sucessor.

“É claro que nunca é boa a saída de um homem como o Levy. Mas somente haverá problema se, em vez de manter um técnico, o presidente resolver indicar um político”, avalia o economista César Bergo, sócio consultor da Corretora OpenInvest. “Há um temor no ar, porque não se sabe até que ponto o BNDES servirá de moeda de troca para a aprovação da reforma da Previdência”, diz Bergo.

O economista menciona a proposta de retirar recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), fonte de recursos do BNDES, para cobrir despesas com aposentadorias e pensões, medida que está no relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB) sobre a PEC da Previdência. “A saída de Levy pode ser mesmo resultado da insatisfação com a presença de ex-integrantes dos governos do PT, mas pode ser também a brecha que precisava para uma possível ingerência política. É esperar para ver”, assinala.

Para Eduardo Velho, sócio executivo da GO Associados, “a saída de Levy é uma questão pontual, embora ninguém tenha entendido muito bem os argumentos para tirar alguém de um lugar onde está atuando com competência”. “Todo mundo, agora, está esperando para saber qual será o perfil do escolhido. Se não for um louco, a vida do banco continuará sem maiores arranhões”, destaca Velho.

Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, afirma que o que deu uma certa tranquilidade ao mercado foi a percepção de que a demissão de Levy não foi apenas uma coisa da cabeça de Bolsonaro. “Ao que tudo indica, a decisão passou também pelo crivo do ministro da Economia, Paulo Guedes. Com isso, o mercado vai passar ao largo dessa discussão política”, salienta.

EM


As declarações de Bolsonaro que levaram à demissão de Levy do BNDES

Após o presidente Jair Bolsonaro ter declarado que Joaquim Levy estava com «a cabeça a prêmio», o economista decidiu pedir demissão da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) neste domingo (16).

A saída de Levy, a primeira baixa na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, acontece um dia após críticas públicas de Bolsonaro ao economista.

O mandatário não gostou da indicação de Marcos Barbosa Pinto para a diretoria de Mercado de Capitais do BNDES. Isso porque Barbosa Pinto foi assessor do banco no governo do PT. Levy também atuou em gestão petista, como ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, mas Bolsonaro disse em outra ocasião que deu um voto de confiança a pedido de Guedes porque não havia nada que o desabonasse.

No sábado (15), em Brasília, Bolsonaro declarou a jornalistas: «Eu já estou por aqui com o [Joaquim] Levy. Falei pra ele demitir esse cara [Marcos Barbosa Pinto] na segunda-feira ou eu demito você, sem passar pelo Paulo Guedes».

Após as críticas do presidente, Guedes disse entender a «angústia» de Bolsonaro e aproveitou para demonstrar também sua insatisfação com o trabalho de Levy.

«O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro», afirmou o ministro em entrevista a Gerson Camarotti, da GloboNews.

Um dos motivos da insatisfação com o trabalho dele teria sido a resistência do presidente do BNDES em devolver o dinheiro injetado no banco. O ministro da Economia havia afirmado que esperava receber R$ 126 bilhões neste ano, uma quantia importante para ajudar no ajuste fiscal e na política econômica do governo, mas Levy não teria se comprometido com isso.

A import’ncia do BNDES no fomento da atividade econômica no Brasil é grande: o banco responde por cerca de metade do volume total de financiamentos para pessoas jurídicas com prazo de pagamento acima de cinco anos.

O outro ponto de discord’ncia com Levy passa pela promessa de campanha de Bolsonaro de «abrir a caixa-preta do BNDES» logo no início do governo, e «revelar ao povo brasileiro o que feito com seu dinheiro nos últimos anos».

Em novembro, Bolsonaro declarou ao site O Antagonista: «A caixa-preta vai ser aberta na primeira semana! Não tenha dúvida disso. Se não abrir a caixa-preta, ele (Levy) está fora, pô. Alguns falam que não tem caixa preta… Eu quero a suspensão de todos os sigilos, sem exceção».

Na entrevista a jornalistas neste sábado (15), após ameaçar demitir Levy, Bolsonaro completou: «Governo tem que ser assim, quando bota gente suspeita em cargos importantes. E essa pessoa, como o Levy, vem há algum tempo não sendo leal àquilo que foi combinado e àquilo que conhece a meu respeito. Ele está com a cabeça a prêmio já tem algum tempo».

Pedido de demissão

Leia a íntegra da mensagem do economista:

«Solicitei ao ministro da Economia Paulo Guedes meu desligamento do BNDES. Minha expectativa é que ele aceda.

Agradeço ao ministro o convite para servir ao País e desejo sucesso nas reformas.

Agradeço também, por oportuno, a lealdade, dedicação e determinação da minha diretoria. E, especialmente, agradeço aos inúmeros funcionários do BNDES, que têm colaborado com energia e seriedade para transformar o banco, possibilitando que ele responda plenamente aos novos desafios do financiamento do desenvolvimento, atendendo às muitas necessidades da nossa população e confirmando sua vocação e longa tradição de excelência e responsabilidade.

Joaquim Levy»

Afinal, há uma caixa-preta no BNDES?

Não está exatamente claro a que o presidente se refere quando utiliza o termo «caixa-preta».

A resposta simples para a pergunta é que o banco, de fato, mantinha muitos dados em segredo e se recusava a fornecer informações. Mas, a partir de 2015, após grande pressão da imprensa e de órgãos de controle, o BNDES se tornou mais transparente – passou a divulgar detalhes sobre seus empréstimos, não só os atuais, mas também os passados, englobando as operações feitas durante os governos do PT.

Essa transparência permite uma maior investigação e avaliação pela sociedade. Por outro lado, quando se fala em «caixa-preta», a interpretação do termo pode se referir também à revelação de informações não oficiais, como gravações de conversas, delações de funcionários.

Nesse sentido, é impossível prever se existem ou não irregularidades a serem reveladas.

Em novembro, a BBC News Brasil procurou pessoas e órgãos que já haviam criticado a falta de transparência do BNDES no passado, para saber o que pensam sobre os dados que a instituição disponibiliza.

Um deles é o Tribunal de Contas da União (TCU), um órgão federal que fiscaliza as contas públicas. Segundo o TCU, essa situação mudou a partir de 2015. Hoje, o órgão diz receber do banco «todas as informações que lhe foram requisitadas». Inclusive, TCU e BNDES firmaram, recentemente, uma parceria para divulgar mais dados do banco ao público.

Quem também já criticou a falta de transparência do BNDES é o economista Sérgio Lazzarini, do Insper, que analisa dados do banco há mais de uma década –com um viés crítico, diga-se de passagem, mostrando as mazelas das relações entre os setores público e privado.

Lazzarini concorda com o TCU e diz que o BNDES se tornou mais transparente a partir de 2015. «O BNDES está sendo muito sincero e transparente sobre o que está acontecendo no banco. Por incrível que pareça, o BNDES está hoje até mais avançado que outros bancos internacionais», disse Lazzarini, que é PhD pela Universidade de Washington e foi professor visitante em Harvard, em 2010 e em 2012.

Um exemplo do que o BNDES divulga, e outros bancos públicos de desenvolvimento não costumam revelar, são os próprios contratos de financiamento relacionados a obras no exterior.

Assim, parte dos dados que os críticos pleiteiam já está disponível online. Por outro lado, há informações que permanecem em sigilo, como a análise de risco sobre os tomadores de empréstimo. O BNDES alega que esses dados são protegidos por sigilo fiscal e bancário e que sua divulgação traria consequências para o mercado de capitais –em outras palavras, ao ter sua classificação de risco divulgada, as empresas podem ter seus negócios impactados. A decisão sobre divulgar ou não esses dados está sendo analisada pela Justiça.

UOL

Más notas sobre el tema